Não é possível que ninguém perceba

Em 1994 eu voltei para o Brasil, após viver cinco anos no exterior. Em um dos lugares onde morei, a multa para quem jogasse lixo na rua era de duzentos dólares.

Naqueles cinco anos me acostumei com ruas limpas, com calçadas planas e bem cuidadas, com canteiros de plantas e flores vivas. Na minha primeira semana de volta ao Brasil, fui tomar um sorvete em Ipanema. Enquanto conversava com um amigo na calçada, observamos um senhor distinto e bem vestido, acompanhado da mulher e de três filhas. Ele acabou o seu sorvete, e, em um gesto automático, jogou o recipiente e o guardanapo de papel na rua.

Ipanema é um dos bairros mais ricos da segunda cidade mais rica do Brasil. Nos finais de semana de verão, à medida que o pôr-do-sol se aproxima, a praia vai virando um monturo de lixo. Latas, garrafas, pontas de cigarro, restos de comida, jornais e até fraldas usadas vão sendo largados na areia, e depois levados pelo mar.

Não é possível que ninguém perceba. Nossas crianças estão brincando no meio do lixo. Se isso acontece na praia de Ipanema, que esperança podemos ter para o resto do Brasil ?

Eu não perco a esperança. Chamo meu filho, pegamos um ancinho da nossa associação de pais e saímos catando o lixo. As pessoas nos olham com um misto de surpresa e curiosidade. Eu olho para elas com pena. Você mora no país que merece, eu penso em dizer, mas não digo nada, continuo com o meu filho até que não haja mais um saco plástico ou espeto de madeira enfiado na areia. Mas já é tarde para fazer alguma coisa pelo mar. As águas verdes estão cobertas por uma mancha enorme de lixo flutuante. As pessoas mergulham, felizes, entre os detritos.

Eu tenho vontade de segurá-las pelo braço e dizer: porque você não me dá o seu endereço, para que eu possa levar um pouco dessa sujeira para sua casa ?

Eu nunca deixo de achar curioso quando vejo, na praia, as pessoas reclamando do país, cercadas pelo lixo que acabaram de produzir.