É uma hora da tarde de um domingo de Setembro. O sol brilha no céu de Ipanema. Uma multidão ocupa o calçadão e a faixa do lado do mar da avenida Vieira Souto, que hoje está fechada aos carros. É gente saudável, bonita, bem vestida, moradores de um dos melhores bairros da zona sul.
Eu já dei um mergulho com meu filho, e agora o levo pela mão, pela calçada, em busca de um sorvete. Encontramos o carrinho do sorveteiro um pouco mais à frente, e compramos picolés de maracujá e tangerina. Retornamos caminhando de mãos dadas, quando, de repente, temos que parar.
No meio do calçadão, um pequeno monte de cocô.
As pessoas continuam passando, indiferentes. Nós também seguimos adiante.
Um pouco mais à frente eu paro de novo e olho para trás. É claro que alguém vai acabar pisando naquela coisa – um pequeno monte marrom, que fede e já atrai moscas. Alguém vai ter seu domingo estragado, vai sair esfregando a sola da sandália – ou quem sabe, do próprio pé – pela calçada, multiplicando a sujeira e criando novas vítimas.
Eu olho para o cocô e para as pessoas. Ninguém faz nada. Cada um continua no seu caminho.
Mas alguém vai acabar pisando. Está fedendo. Está cheio de moscas. Está no meio da calçada, em um domingo de sol, na praia de Ipanema.
Eu fico ali parado.
Eu olho para o meu filho.
“Vamos procurar uma garrafa vazia?”, eu proponho. Uma garrafa plástica, dessas de água mineral. Eu arranco a parte de cima, vai servir.
Não encontramos nenhuma garrafa, mas achamos um copo de mate vazio. Voltamos.
“Filho, vamos limpar isso antes que alguém pise.”
Ele sacode a cabecinha, concordando.
Sem soltar a mão dele, eu me abaixo e uso o copo para retirar o cocô. Saio equilibrando o copo com uma mão, segurando meu filho com a outra. Jogo o copo em uma lata de lixo. Mas dá pra ver que ficou ainda um pouco de sujeira na calçada. Se alguém pisar ali com o pé descalço – eu e meu filho estamos sempre descalços – pode até pegar uma doença.
Descemos até a praia, pegamos um punhado de areia com as mãos e jogamos em cima da sujeira.
É o que podíamos fazer. Olho em volta. Não parece que alguém tenha percebido o que fizemos, eu e meu filho. Eu espero que ele se lembre desse dia. O dia em que havia um cocô no meio da calçada, e ninguém fazia nada. Até que nós fizemos.
Mas porquê ninguém fez nada ?
Algumas possibilidades passaram pela minha cabeça.
Ninguém fez nada porque, no Brasil, limpar sujeira é coisa de serviçais. Limpar as ruas é coisa dos garis. Por isso não tem problema jogar lixo no chão.
Ninguém fez nada porque, no Brasil, os espaços públicos são terra de ninguém, para serem usados e abusados, depredados, saqueados. Por isso é difícil encontrar um telefone público que funcione. Por isso banheiros públicos são imundos. Por isso cabos elétricos e lâmpadas são roubados no atacado, deixando ruas e túneis no escuro. Por isso nossas praças são terrenos baldios cheios de imundície e de mendigos. Por isso se urina em qualquer lugar.
Ninguém fez nada, porque no Brasil espera-se que o Governo resolva tudo. O cocô estava ali porque o Governo não colocou latas de lixo suficientes, porque o serviço de limpeza urbana é ruim, porque deveria haver, mas não há, uma lei contra cocôs na calçada.