Um amigo me conta, consternado e espantado, sua estória: foi a São Paulo a trabalho, teve que pernoitar. No dia seguinte, no café da manhã do hotel, escolhe uma fatia de pão, coloca na torradeira e vai buscar um copo de suco. Escuta então, atrás de si, o barulho da torradeira cuspindo a torrada; quando se vira, vê um senhor, de terno e gravata, que retira a torrada e a coloca no seu prato.
“Desculpe, mas essa torrada é minha” protestou meu amigo.
“Sua ?”, perguntou o homem, “quando eu cheguei não tinha ninguém aqui”
Meu amigo pensou em protestar: eu estava aqui, só me virei um instante, mas a torrada é minha, como você acha que o pão entrou ali ? Depois desistiu e resolveu comer outra coisa.
Eu entendo a atitude do meu amigo. Não vale a pena brigar por um pedaço de pão torrado.
Ou vale ?
Quando retornei ao país, depois de cinco anos no exterior, me vi em várias situações semelhantes. Situações em que dá vontade de gritar, de brigar, de pedir a minha torrada de volta.
Eu venho caminhando na direção de Ipanema, empurando o carrinho de bebê com o meu filho dentro. No meio da Francisco Otaviano a calçada está totalmente bloqueada; o manobrista de um flat estacionou vários carros bem no caminho. Resta aos pedestres descer da calçada e andar um trecho dentro da ciclovia. Hoje é sábado, há muitas bicicletas, é perigoso andar na ciclovia, é preciso atenção, qualquer erro pode custar caro.
Eu olho para a calçada bloqueada, olho para o carrinho do meu filho.
Não. Eu não aceito.