Há dois anos chegamos cedo na praia, meu filho e eu, e nos deparamos com uma cena trágica. Virado na pista que aos domingos é reservada para pedestres, um carro retorcido. Um guarda nos contou o ocorrido: um senhor havia feito sua caminhada matinal, e lia um jornal, sentado no carro. Uma caminhonete fez a curva da Joaquim Nabuco em alta velocidade, desgovernou-se e atingiu-o em cheio. A pancada foi tão violenta que o carro voou e arrancou um coqueiro pela raiz. O senhor morreu na hora. O jovem motorista da caminhonete saiu ileso.
É preciso dizer que ele estava embriagado ?
Tivesse o acidente ocorrido duas horas mais tarde e muita gente teria morrido. O carro caiu justamente no lugar onde as crianças costumam brincar.
No Brasil morrem, todos os anos, mais de 50.000 pessoas em acidentes de trânsito.
Cinquenta mil.
Esse número é maior que o de soldados americanos mortos em toda a Guerra do Vietnã.
É o equivalente a duzentos desastres aéreos por ano, cada um com um jumbo lotado, em que não há sobreviventes.
Mas a culpa é da polícia, que não fiscaliza, da justiça, que não condena os infratores, dos parlamentares, que não fazem as leis necessárias.
Eu tenho um prazer perverso quando a discussão chega nesse tópico. Eu gosto porque sempre consigo deixar todo mundo em silêncio. É quase covardia. Eu tenho uma pergunta infalível.
Quando todos começam a reclamar da justiça e da polícia eu faço a minha pergunta.
Quem aqui nunca tentou subornar um guarda para não levar uma multa ?
A reação mais comum é o silêncio e um sorriso meio sem jeito. Alguns ainda tentam uma ou outra explicação. Outros, poucos, percebem a gravidade do problema e olham para o lado ou para baixo.
Aí eu digo: eu nunca subornei ninguém. Não porque seja moralmente superior, ou porque tenha tido uma educação melhor que a dos outros. É simplesmente uma questão de inteligência. Eu sempre pensei: se o guarda aceita um suborno meu – cinqüenta reais para tirar a multa – porque não aceitará o suborno de um marginal perigoso – cinco mil reais para deixá-lo ir embora ?
Subornar é sabotar o futuro dos nossos filhos. É retocar a chapa de raio-X para que a imagem fique com aparência de saudável.
É esse guarda, subornável por cinqüenta reais, que vai cuidar da sua segurança ?
O que será do guarda honesto, que tem que sobreviver com seu salário ?
É um exemplo perfeito da lei do xixi na piscina: se só uma pessoa fizer, não tem problema. Mas se um faz, todos fazem, e acabam todos nadando em urina.