A resposta rápida é que na última década o Brasil gastou 10 bilhões de reais em saneamento básico - isso em um país onde mais de um terço das casas não tem esgoto ou água encanada - ao mesmo tempo em que vai gastar mais de R$ 26 bilhões com a Copa do Mundo. Só os estádios vão consumir mais de R$ 7 bilhões.
Vivemos sob um Estado que perdeu o contato com seus cidadãos, e que é controlado e explorado por um grupo formado por políticos corruptos, burocratas poderosos e empresários sem escrúpulos que vivem de subsídios e contratos fraudados.
É um Estado incompetente em suas funções mais básicas. O poder Executivo não consegue planejar ou executar direito, nem garantir ao cidadão direitos básicos como vida e propriedade. O poder Legislativo é um dos menos eficientes e mais caros do mundo. O Judiciário prioriza seus próprios interesses e vive imerso em rituais ultrapassados, enquanto a população espera por milhares de processos sem solução.
Exemplo número 1: o orçamento inicial da Cidade da Música no Rio de Janeiro, construída para abrigar a Orquestra Sinfônica, era de R$ 80 milhões. O custo final ultrapassou R$ 400 milhões.
Exemplo número 2: um grupo de juízes de um Tribunal estadual que foram fazer um curso de segurança nos Estados Unidos, como diária, um valor superior a R$ 7 mil reais. Por dia.
Exemplo 3: embora o Brasil tenha um dos mais altos índices de homicídio do mundo (cinquenta mil pessoas são assassinadas todos os anos) as Câmaras de Vereadores do Rio de Janeiro e São Paulo encontram tempo para aprovar leis como a que obriga pescadores de costões rochosos a usar colete salva-vidas com apito, a que proíbe bonés em bancos e a que determina o tamanho oficial de mesas de sinuca de botecos.
Os iPhones e Play-Stations mais caros no mundo são vendidos no Brasil porque somos o país mais fechado ao comércio externo. Nossa carga tributária - 42% do PIB - é similar à de países desenvolvidos, mas, ao contrário do que ocorre por lá, o cidadão brasileiro paga por segurança privada, escolas particulares e planos de saúde porque os serviços oferecidos pelo Estado são inaceitáveis. Nossas calçadas e estradas são cheias de armadilhas. Nossos aeroportos são caóticos. Nunca ganhamos um prêmio Nobel
Todos os nossos partidos políticos são de esquerda, e todos usam as mesmas táticas populistas e paternalistas com o único objetivo de ganhar a próxima eleição e conquistar mais cargos na máquina pública. Tudo gira em torno de contratos, concessões públicas e obras. Artistas, intelectuais e boa parte da imprensa vivem de subsídios governamentais, emudecendo qualquer crítica ao Governo, à exceção de algumas bravas almas.
O brasileiro se sente roubado de sua cidadania cada vez que abre um jornal. Desejamos mudanças profundas e permanentes, mas não sabemos como começar. As manifestações que varreram o país no ano passado acabaram dominadas por aparelhos sindicalistas, black blocks e outras organizações políticas suspeitas, e perderam significado.
Nos sentimos presos em um atoleiro pesado de futebol, carnaval e samba. Tememos pelo futuro de nossos filhos. Nossos líderes não nos ajudarão. Nos últimos vinte anos nosso PIB per capita cresceu 38% em termos reais. Nesse ritmo levaremos 55 anos para alcançar a Espanha e 90 anos para alcançar os Estados Unidos - se eles ficassem parados.
Portanto o fato de tantos brasileiros não ligarem para a Copa do Mundo pode ser uma coisa boa. É possível que estejamos finalmente acordando desse pesado sono tropical no qual caímos enquanto países como a Coréia do Sul ou o Chile passaram à nossa frente.
Poderemos nos tornar uma nação de verdade, na qual a preocupação com nossos filhos seja mais forte que a paixão por um jogo. Levará décadas, com certeza, mas a semente foi plantada.
Quando você escutar dizer que os brasileiros detestam esta Copa, é isso que está acontecendo. Estamos crescendo, cuidando de coisas mais importantes. Talvez nunca mais ganhemos uma Copa do Mundo.
É possível até que, finalmente, ganhemos um prêmio Nobel.
Quem sabe ?
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