Why Brazil Hates the World Cup

No country loves soccer more than Brazil does. The entire nation grinds to a halt to watch the national team play. We are the only country to have won the Cup five times. Soccer players are our heroes.

Then why are Brazilians feeling so unenthusiastic - and even resentful - toward the 2014 World Cup, to take place in less than a month in their own country ?

The short answer is that in the last decade Brazil has spent 10 billion reais in basic sanitation - this in a country where over a third of the homes do not have sewage collection or clean water - while the planned expenses for the World Cup are over 26 billion reais. The price tag for refurbishing or building stadiums alone is 7 billion reais. And these are only estimates, sure to be exceeded.

The long answer is no less revealing. It involves a State that has lost touch with its citizens and which is run, supported and milked by a ubiquitous group of corrupt politicians, power-hungry bureaucrats and private-sector oligarchs who live off government subsidies and rigged contracts.

This is a State lacking basic management competencies at all levels. Its executive branch can’t plan or execute properly, and cannot guarantee basic rights such as life and property. The legislative branch is one of the less productive and most costly in the world. The courts are self-centered, hampered by outdated rituals and clogged with hundreds of thousands of lawsuits waiting forever for resolution.

Exhibit 1: the initial budget for the City of Music, a modern-looking building in the Barra neighborhood of Rio de Janeiro, built to house the Symphonic Orchestra, was R$ 80 million. It ended up costing R$400 million.

Exhibit 2: a group of judges from a state court was sent for a 15-day safety and security training in Florida and paid a daily allowance of 3,300 dollars each.

Exhibit 3: while Brazil has one of highest homicide rates in the world (50,000 people are murdered each year) the city councils of Rio de Janeiro and São Paulo have been busy approving key legislation such as a prohibition to use hats in banks, the mandatory use of flotation devices by beach fishermen or the adoption of official-size snooker tables in bars.

Our shops sell the most expensive iPhones and Play Stations in the world because we rank last in openness to foreign trade. Our tax load - 42% of GDP - is similar to that of developed countries, but we pay for private security, private schools and private health care because the services provided by the State are unacceptable. Our sidewalks and roads are traps. Our airports are chaotic. We have never won a Nobel prize.

All our political parties declare themselves on the left, and they all make the same unlimited use of populist, paternalistic and short-sighted politics whose sole aim is to win the next election and appoint supporters to government jobs. Competency is never a requirement. The name of the game is contracts, concessions, public works. Artists, intellectuals and media groups live off incentives and subsidies provided by the State, effectively muting any meaningful criticism, save for a few brave souls.

Brazilians feel robbed, defrauded of their citizenship every time we open a newspaper. We know we need deep, long-lasting change. Last year a wave of spontaneous demonstrations swept the country, but they were taken over by organized leftist labor and other political operatives, and died away.

We feel trapped in a thick morass of soccer, carnival and samba. We fear for the future of our children. Our leaders - with descriptive names like “little boy”, “big foot”, “squid”” - won’t help. One of the best known political slogans, coined to describe the paulista politician Adhemar de Barros, said: “he steals, but he does stuff”. That sums it all up.

In the last 20 years our GDP per person grew 38% in real terms. At this rate it will take us 55 years to reach Spain and 90 years to reach the USA - if they stood still.

So the fact that many Brazilians are unaffected by the World Cup might be a good thing. We may be finally waking up from the deep tropical slumber we fell into while countries like South Korea and Chile speeded ahead.

We may become a real nation, whose concern for its own children outweighs its passion for a ball game. It will probably take decades, but the seed has been sown.

When you hear Brazilians say they hate this Cup, that’s what’s going on. We are growing up. We are learning, moving on to more important things. Perhaps we will never again win a World Cup.

Then we may even get a Nobel prize, finally. Who knows ?

(Here is the Portuguese version of this article)






A Ponta da Lança: Os caminhos da insegurança pública

Rio de Janeiro, tarde de verão. A tropa de elite da polícia prepara-se para entrar em uma comunidade carente. O Caveirão avança até certo ponto e para diante da cena de horror: em um dos trilhos fincados no meio da rua está amarrada uma criança de três anos, usada como escudo vivo pelos traficantes.

A porta do veículo se abre e um soldado corre, debaixo da mira dos criminosos, para liberar a criança. A tropa agora avança com sede de justiça, varrendo as vielas dos morros em busca dos criminosos. A justiça lhes é servida com o sangue quente da indignação.

Não é isso que a teoria abstrata da justiça propõe. Ela determina que os criminosos sejam presos e conduzidos até um tribunal, onde juízes imparciais, movidos por ritos protocolares e burocráticos, determinarão sentenças de acordo com critérios codificados por legisladores. Nenhum deles, legislador ou juiz, subiu a favela ou viu a criança amarrada no trilho. Todos andam em carros blindados e cercados de seguranças.

Legisladores fazem as leis. Juízes as aplicam.
Qual a conexão dessas leis com a realidade ?

Como pode o soldado que libertou a criança e enfrentou os monstros morais entender essa justiça ritualizada, demorada e impessoal ? Como exigir serenidade e equilíbrio diante de uma criança de três anos amarrada sob o sol ? Essas não são questões ingênuas ou simples. Para respondê-las é preciso entender não só a realidade da nossa segurança pública, mas também a visão equivocada e distorcida desta realidade que tem servido como base para a formulação de políticas públicas destinadas à lata de lixo da história.

Pergunta: qual é a polícia que queremos ?

Resposta: queremos um policial com a coragem do Rambo, a perícia de um Robocop, a capacidade de reflexão de filósofos, o conhecimento de um jurista e o equilíbrio de um monge. Ele deve ser capaz de abstrair-se da podridão violenta que o cerca e agir com o padrão moral dos santos. 

Não vai rolar.

O policial brasileiro da vida real tem origem humilde e pouca formação intelectual. Recebe salário incompatível com o risco e importância do seu trabalho, e insuficiente para sua manutenção. Por isso tem um segundo emprego, que lhe rouba o descanso e a concentração em sua missão de policial. Teve pouco treinamento para a função que exerce, e, na maioria dos casos, jamais receberá apoio em momentos de crise. O seu trabalho é lidar com o lado podre da sociedade. As escolhas que tem que fazer são complexas.

Nossa polícia é associada pela população a um aparato repressivo a serviço de um poder ilegítimo. Vivemos em uma sociedade que passou do jugo colonial para as mãos da política café com leite da Republica Velha, e daí para o revezamento de ditaduras e fracas democracias desde 1930. O monopólio da violência pelo Estado serviu tradicionalmente a fins políticos e de repressão. O Estado brasileiro, capturado pelas oligarquias e colocado a serviço de seus interesses patrimoniais, nunca teve a legitimidade de ser uma construção da sociedade a serviço de todos. Por isso a polícia é coisa ruim. Está no sangue do brasileiro. Mesmo quando não deve nada, ele teme o homem fardado, a visão da viatura. 


Nossa polícia é associada pela população a um aparato repressivo a serviço de um poder ilegítimo 

Durante décadas o imaginário carioca tratou o bandido como o rebelde, o revolucionário, que resiste às pressões do sistema (vejam a obra de Hélio Oiticica sobre o bandido Cara de Cavalo). No Rio de Janeiro, a ex-capital da República, centro de conchavos e arranjos, a lei que vale é a da sobrevivência, do convívio diário com o jogo do bicho, com a corrupção pequena dos guardas de transito. O regime de 64 forneceu a justificativa final para a relativização da criminalidade: o crime nada mais é que a justa reação à concentração corrupta do poder nas mãos do Estado. Os bandidos escolheram esse caminho porque são revolucionários ou porque são pobres, herdeiros das injustiças do passado colonial de um país que foi o último do mundo a abolir oficialmente a escravidão.

Glorificação da marginalidade. 
Obra de Hélio Oiticica sobre 
o bandido Cara de Cavalo

O pensamento Marxista ainda domina a posição da academia brasileira sobre segurança pública, automaticamente classificando criminosos como vítimas indefesas de um processo histórico ou como a vanguarda revolucionária de uma nova ordem social. Marx aponta o dedo para os pobres e diz que classe e posição social lhes determinam a consciência - e esse fatalismo econômico não dá ao cidadão humilde – ao favelado, principalmente -  nenhum outro papel que o de pobre coitado, infantilizado e sem consciência de sua posição na sociedade, sempre precisando de um líder paternalista e carismático.

O  determinismo marxista acadêmico e o emaranhado conceitual de teorias de psicologia social, história, antropologia e sociologia produzido pela academia resultou na impossibilidade de ações práticas contra o crime. O traficante é o produto de uma sociedade injusta e não tem responsabilidade por suas escolhas. O crime não é resultado de escolhas individuais mas culpa e responsabilidade da sociedade. Somos todos culpados. 


O criminoso é o produto de
 uma sociedade injusta. Ele
não tem responsabilidade
por suas escolhas
 

Esse é o círculo vicioso em que nos colocam nossos especialistas: não se pode resolver o crime até que se resolva a injustiça social. E como isso é tarefa impossível, não se encontra um ponto de partida e todas as mãos permanecem atadas. Menos, é claro, as mãos dos criminosos que, não tendo lido Marx, continuam dominando seus territórios, massacrando inocentes  e espalhando o medo permanente que caracteriza a vida do brasileiro (veja o post São Nove Horas e Acabo de Ver um Assalto).

Mas há esperança.

A prova é o lançamento de A Ponta da Lança, livro dos professores da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas, Marco Tulio Zanini e Carmen Migueles e de Marcio Colmerauer, ex-Subsecretário de Segurança do Rio de Janeiro. Em busca de explicações para excelência de unidades policiais como o BOPE o livro mapeia o caminho percorrido pela insegurança do Rio até os dias de hoje, expõe os equívocos da gestão da segurança pública e as condições precárias da atividade policial.

No centro do dilema apresentado por A Ponta da Lança está a crença de que é possível ter um Estado forte, solucionador de todos os problemas, quando os próprios indivíduos que formam esse Estado são considerados incompetentes:

“A inércia está baseada no seguinte dilema: os indivíduos são fracos, desempoderados e incapazes de escolhas maduras, portanto não podem ser punidos por suas fraquezas. O Estado, portanto, precisa agir. Mas o Estado é formado por esses mesmos indivíduos, mas que na posição de poder deveriam ter vontade política para resolver os problemas. Caso se fale em reduzir o poder do Estado (o que, na realidade, significa reduzir o poder desses indivíduos de apoderar-se da coisa pública) há a crítica de uma pretensa intenção neoliberal. Se falarmos em aumentar o poder do Estado, caímos no aumento dos espaços de apropriação privada da coisa pública, do aparelhamento e do desperdício de recursos em ações pouco efetivas ou de difícil gestão”

"Presos ao falso dilema Estado Forte versus Estado Fraco", apontam Zanini, Migueles e Colmerauer, "não parecemos capazes de evoluir para a discussão do Estado necessário, eficaz e democrático".



Vítimas da sociedade ou vanguarda revolucionária ?
Arpoador, Rio de Janeiro, Março de 2014


O excesso de teorias impede a ação concreta, e leva a uma sociedade indolente e fatalista, em busca de um salvador da pátria. Os partidos políticos são incapazes de mobilizar a sociedade em coalizões amparadas em princípios e valores, o único caminho para a solução de problemas complexos como o do crime em uma sociedade democrática. O Estado é uma ilha, isolado da “massa de pobres coitados, fracos e dependentes do Estado”.

"Sobre esse Estado isolado", continuam os autores, "incidem demandas desordenadas dos mais variados segmentos sociais, todos demandando direitos sem obrigações sociais correspondentes". Não existe hierarquização das demandas; tudo é urgente e deve ser feito agora. "Aliás, a noção de limite de recursos públicos é a mais rejeitada pela população, que acredita que por pressão ou acusação política os resultados serão atingidos". Me veio à mente uma senhora que frequentava as reuniões da Associação de Moradores do meu bairro, e que exigia um PM em cada esquina.Desperdício de recursos públicos foi, essencialmente, o tema do meu post Eu Quase Falei Mal do Eike Batista.

A EBAPE tem voltado suas baterias acadêmicas para a questão da segurança pública de uma forma original, lúcida e instigante, livre das amarras enviesadas do Marxismo. O verdadeiro combate ao crime começa pela educação e pela formação de gestores públicos e lideranças políticas informadas e esclarecidas. Está na hora de abandonar o hedonismo, a autopiedade e a camisa de força ideológica que nos trouxeram até a beira do abismo.

Assim como a criança amarrada aos trilhos, o brasileiro precisa ser libertado do crime. Ler A Ponta da Lança é um excelente começo.

ZANNI, M.T.; MIGUELES, C.; COLMERAUER;M. A Ponta da Lança: Intangíveis em Equipes de Alto Desempenho. Campus, Rio de Janeiro, 2014.