O Cheiro de Maconha de Manhã

Tiroteios de armas pesadas interrompem o sono da minha família. O barulho vem do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana.  É a quinta vez esse mês. São traficantes protegendo seu território. É um negócio de alta lucratividade. É a Wall Street dos despossuídos.


Vou correr na praia de manhã e o cheiro de maconha invade minhas narinas e me enjôa. Morre aos 46 anos, de overdose de heroína, o ator Philip Seymour Hoffman. Um garoto é preso tentando assaltar uma senhora ao lado da minha casa, está transtornado. "Cheio de crack na cabeça", diz o policial. 

Uma conversa sobre drogas não pode começar sem que uma afirmação seja feita: a dependência de drogas é um mal terrível. Nenhum pai deseja esse destino para o seu filho. Em um mundo ideal as drogas não seriam usadas. 

Não vivemos em um mundo ideal.

A proibição de venda e uso legal de drogas - por melhor que tenha sido sua intenção original - resultou na explosão da criminalidade organizada no narcotráfico. A corrupção resultante contamina todos os níveis sociais. O lucros do tráfico sustentam a ditadura do crime em que vivemos. Em países como o México eles ameaçam a própria existência da nação. Os efeitos nefastos do narcotráfico já são, reconhecidamente, piores que os causados pelo uso de drogas.

O poder dos traficantes é resultado da ilegalidade da drogas. Ele corrompe agentes da lei, magistrados e legisladores. Proibir as drogas  mostrou-se uma péssima forma de combatê-las. Apesar do número de vidas perdidas, dos presídios superlotados e do alto custo de uma guerra sem fim, é muito fácil encontrar drogas em qualquer lugar. Quando os EUA tentaram proibir as bebidas alcoólicas o resultado foram violência e corrupção sem paralelo. A semelhança com a "Guerra às Drogas" atual é mais do que mera coincidência.

Existem substâncias legais cujo consumo traz prejuízos ao indivíduo e à sociedade. O álcool pode causar dependência grave. O tabaco, além da dependência, tem relação inquestionável com o câncer. Anfetaminas e benzodiazepínicos, medicamentos de uso comum e vendidos em grandes quantidades no Brasil, causam dependência e problemas similares aos causados pelas drogas. Todas essas substâncias são legais e submetidas a diferentes graus de controle. Assim como acontece com o álcool, muitas pessoas parecem capazes de usar drogas sem que isso as torne dependentes ou afete sua individualidade, saúde ou capacidade produtiva. Para outros a única alternativa é o consumo zero. Essa decisão não deveria ser do Estado, mas de cada um.

Não está claro qual o caminho a ser seguido. Mesmo nos países mais avançados o debate e as experiências continuam, sem conclusão definitiva. Entretanto, parece existir consenso sobre os seguintes pontos:

A dependência de drogas é uma tragédia pessoal que traz enormes prejuízos ao indivíduo e à sua família, e merece uma resposta adequada. É preciso que existam salvaguardas e mecanismos para regular a venda e o consumo de drogas e assistir a usuários que queiram se libertar da dependência. É fundamental também o esclarecimento através da educação sobre a devastação que as drogas podem causar, da mesma forma que se faz com o álcool e tabaco.

Tornar as drogas ilegais tornou o tráfico altamente lucrativo, gerando tamanha violência e corrupção que o remédio pode ter se tornado mais nefasto que a doença. A pior forma de lidar com o uso e a dependência de drogas é torná-los um caso de polícia. A demanda por drogas é forte o suficiente para gerar lucros que garantem a futilidade de quaisquer esforços de proibição.

Uso não é igual a dependência. Existem muitas pessoas que usam drogas sem se tornar dependentes. 

Uso não resulta em crime. A maior parte do crime associado às drogas é resultado do tráfico e não do uso em si.

Ainda não existe um modelo alternativo para lidar com as drogas que responda tanto ao problema da dependência quanto ao do narcotráfico. Nenhuma das soluções já adotadas no exterior, como áreas especiais para consumo de drogas ou legalização parcial do consumo, pode ser considerada um sucesso inquestionável. Só o tempo dirá.

É impossível prever todas as consequências de uma eventual descriminalização das drogas. O resultado positivo mais provável é uma redução drástica das atividades criminosas ligadas ao narcotráfico. Entretanto, é preciso admitir a probabilidade de que ocorra também um aumento do consumo no curto prazo (acompanhando ou não de aumento no número de dependentes). Da mesma forma, não podemos nos iludir quanto ao criminosos- boa parte dos envolvidos com o tráfico migrará para outras modalidades de crime. Precisamos nos preparar para isso.

Eu ensino aos meus filhos que alcóol e drogas são uma roleta russa: nunca se sabe o mal que podem causar, nunca se sabe quando cruzaremos a fronteira entre o uso recreativo e a dependência, e nem quando será disparado o gatilho de graves desequlíbrios mentais. O uso de drogas, fora de terapias, é um ato de desespero ou de hedonismo . Nunca me seduziu a estética chic da inteligentsia nacional de associar o apertar um back com sofisticação intelectual e inconformismo. Maconha pra mim sempre foi um cheiro enjoado e uma arma de sedução barata de quem tem pouco mais a oferecer.

Mas é preciso discutir o problema das drogas com coragem, separando a posição pessoal de cada um - aquilo que consideramos nosso padrão moral e ensinamos aos nossos filhos - do que faz sentido como política pública. 

Sem ingenuidade, mas também sem preconceito.

Ou ficaremos eternamente reféns do pessoal do fuzil



Malandro Demais Para Pouco Otário

A emoção que define a vida do brasileiro é o mêdo. Do assalto, do flanelinha, do golpe do sequestro por telefone, dos truques do Governo (seja de que partido for), do descaso dos prestadores de serviço monopolistas (tente cancelar uma linha de celular), dos exames não cobertos pelos planos, da malha fina, dos carros que não respeitam o sinal. Mêdo do desemprego, do futuro dos seus filhos, da hora da aposentadoria. Há sempre um motivo forte e próximo. 

É o bueiro que explode e pega fogo. É a marquise que cai em cima dos passantes, é o prédio que cai em cima das pessoas. É o motorista do ônibus que acelera quando estamos embarcando, é o motorista de táxi que dá o golpe do "você me deu uma nota de cinco reais" quando acabamos de pagar com uma nota de cinquenta.

Acordo no domingo e me deparo com uma cena de tregédia em frente de casa. Um motorista bêbado bate em alta velocidade atrás do caminhão de mudanças, decepa um braço e uma perna de um dos ajudantes que acaba morrendo, manda o outro para o hospital em estado grave. Estava bêbado, claro. Tão banal que nem deu notícia.

São os dois malandros, na porta da minha casa: um se abaixa e suja de graxa o sapato de idosos, o outro, mais à frente, aponta o sapato sujo, limpa e cobra 100 reais.

Basta morar algum tempo fora do país para perceber a carga pesada que aqui carregamos sem perceber. Estamos sempre de sobreaviso, sobressaltados. 

É malandro demais para pouco otário.