Um bom lugar para começar

Um bom lugar para começar nossa revolução social seria na calçada em frente ao edifício Avenida Central, na Avenida Rio Branco.

Ali onde ficam sempre de 8 a 10 homens grandes, mal-encarados e mal-vestidos, em pé lado a lado bloqueando a calçada e abordando os pedestres.

Eles estão ali vendendo software pirata. Aos berros.

"Photoshop, Corel, Windows Vista".

Bem em frente um grupo da Guarda Municipal observa enquanto várias transações comerciais são realizadas.

Isso é um crime. De difícil eliminação, é verdade. Os mecanismos de cópia e distribuição são complexos. Não faltam clientes, que não se incomodam em adquirir seu produto pirata no meio da rua, em plena luz do dia. Talvez seja impossível eliminar esse problema.

Mas o que acontece ali, na frente do Avenida Central, não poderia acontecer em lugar nenhum.

Bastaria colher provas - filmar e fotografar algumas das transações, o que pode ser feito com facilidade - e prender os vendedores e alguns clientes.

Bastaria aplicar as penas da lei, da forma que fosse possivel.

O que não podemos fazer é aceitar como normal essa atividade debaixo dos nossos olhos.

É um acinte. É um absurdo. É a semente de outros males mais graves que continuarão a infestar nossa cidade enquanto a sociedade e as autoridades não aprenderem a dizer "não, de jeito nenhum".

Desvestindo um Santo

A discussão sobre o desligamento de radares de trânsito à noite, para evitar assaltos, lembra a piada do sujeito que, ao encontrar sua mulher traindo-o com um amigo no sofá da sala, eliminou o sofá.

Essa polêmica sem sentido, alimentada pela fogo de palha da mídia, obscurece o fato mais básico: os assaltos só acabarão quando acabarem os assaltantes.

Se os radares forem desligados à noite e ninguém diminuir mais a velocidade, os assaltantes passarão a atacar nos cruzamentos, nos postos de gasolina ou fazendo falsas blitzes. É o deslocamento da mancha da criminalidade, um fenômeno conhecido das polícias de todo o mundo.

Não há outra solução além da óbvia: a única forma de reduzir ou acabar com os assaltos a motoristas é prender mais bandidos, e mantê-los na cadeia.

A Responsabilidade é Toda Nossa

Uma certa corrente de opinião credita o sucesso dos Estados Unidos como nação a duas crenças tão enraizadas na cultura norte-americana que são, para os seus cidadãos, imperceptíveis.

Uma é a crença de que cada um determina o seu próprio destino, ao invés de ser uma mera vítima das circunstâncias. As dificuldades que surgem são obstáculos temporários, a ser vencidos com trabalho e persistência.

A outra é a certeza de que seus filhos terão uma vida melhor que a dos seus pais.

Com isso eles não têm dúvida de que têm seu destino em suas mãos, e que são responsáveis por ele. Nós, brasileiros, preferimos sempre transferir a responsabilidade para outros.

Hoje as coisas estão erradas como consequência do regime militar. Na época do regime militar, a culpa era da anarquia e corrupção dos governos Jânio Quadros e Jango. Antes disso a culpa deve ter sido do Getúlio, da política do Café-com-Leite, da proclamação da república.

Não me interessa a explicação sociológica ou histórica desse comportamento. Minha geração está farta disso. Queremos começar agora, hoje, o país que é dono do seu destino, o país onde os filhos viverão melhor que seus pais.

A responsabilidade, e a honra, são todas nossas.

História de Natal (atrasada)

Quem foi à praia no dia 24 recebeu seu presente de Natal adiantado.

A água estava morna, como é raro se ver nessa época, tradicionalmente de águas geladas. E transparente: era possível ver o fundo com clareza. O mar estava calmo como uma piscina.

Por algum motivo a praia estava vazia. Consequentemente, a areia estava limpa.

Um pai, surpreso com o que via, arriscou levar o seu filho de 4 anos para um mergulho nas pedras do Arpoador. Novas surpresas: com a maré baixa o mar dava pé até lá no fundo, perto das pedras. Com o menino no colo, ele descobre um minúsculo trecho de areia branca entre as rochas - uma mini praia, parecendo virgem, intocada. Segurando o menino pela mão ele sobre, evitando as algas e as conchas nas pedras, e fica de pé na areia, olhando o mar.

Na sua frente as pedras do Arpoador, a água azul cristalina do mar, e no fundo, lá em frente, o morro Dois Irmãos e a Pedra da Gávea.

Uma pequena praia de areia branca. Um mar azul transparente. Uma visão de ilhas tropicais em pleno Rio de Janeiro.

Ele volta devagar, com água pelo peito, o garoto no colo, e cruza com um turista mineiro que traz, pendurado na mão, um enorme siri, capturado na beira da praia.

Para devolver ao mar, às águas fundas.

Abençoada seja essa cidade, é a única coisa que ele consegue pensar, abençoado seja esse pedaço de natureza que eu vou preservar para os meus filhos, custe o que custar.

Final de Ano

Comemorações que envolvem multidões geram sempre confusão e sujeira, em qualquer lugar do mundo. Eu sei disso, e não espero que a praia de Ipanema, nestes dias que antecedem o Reveillon, seja nenhuma reserva ecológica.

Mas há um limite.

Cheguei com meu filho às 17:00 do dia 30 ao ponto em frente ao Ipabebê, no Posto 8, e abri caminho até a beira do mar. Ali encontramos alguma sujeira: não muita, ainda não a sujeira pós-Reveillon, mas o suficiente para incomodar.Como não gostamos de sentar na areia com sujeira em volta, arrumamos dois sacos plásticos grandes e, com a ajuda do meu filho, recolhi os cocos, garrafas plásticas, canudos, embalagens de biscoito, guimbas de cigarro e até uma corrente de metal com crucifixo. Alguns banhistas também juntaram o lixo ao seu redor e colocaram nos sacos.

Logo uma área de praia com uns 20 metros de raio ficou limpa. Levei meu filho para a água.Ao voltar para a areia nos deparamos, incrédulos, com a seguinte cena: 3 senhoras, com várias sacolas nas mãos, montavam suas oferendas no meio da praia cheia.

As oferendas incluíam 2 garrafas de vinho e 2 frascos de perfume. De vidro. Na areia. Em frente ao Ipabebê, local frequentado por crianças.

Comemorações que envolvem multidões geram sempre confusão e sujeira, em qualquer lugar. Eu sabia disso, e não esperava que a praia de Ipanema, nestes dias que antecedem o Reveillon, fosse nenhuma reserva ecológica. Mas tudo tem limite.

Suspirei fundo e fui até o grupo.

"Vocês não vão deixar estas garrafas aqui na areia, vão ?", perguntei às senhoras, que se espantavam de alguém se incomodar com uma coisa tão normal.

"Depois, se alguém quiser tirar, pode", foi a resposta da senhora de branco.

"Minha senhora, a senhora está vendo aquele parquinho ?" perguntei, apontando os brinquedos do Ipabebê perto da calçada. "Essa área é frequentada por crianças, a senhora não pode deixar essas garrafas de vidro na areia".

Não quero mudar o mundo. Não quero dar exemplo, nem ensinar lições a ninguém, nem começar um movimento mundial cívico revolucionário.

Só quero a areia da praia limpa. Só quero que meu filho possa brincar na areia sem medo de pisar em um caco de vidro.

Por isso insisti, argumentei, passei os olhos pela areia à procura de um Guarda Municipal ou PM (não havia nenhum), até que peguei meu filho e voltei para a água.

De lá vi as senhoras recolher as garrafas e os frascos, colocá-los nas sacolas e levá-las embora.

Sim, eu sei, foi apenas uma gota no oceano.

Mas foi a minha gota.

Feliz 2008