Entrevista do Secretário de Segurança

Vejam abaixo a resposta do Secretário de Segurança do Rio de Janeiro para uma pergunta enviada pelo autor deste blog, e que foi selecionada para a entrevista ao blog do Repórter do Crime (Jorge Antonio Barros, do Ancelmo.com).

A LEI DE EXECUÇÕES PENAIS

ROBERTO MOTTA (Rio de Janeiro – RJ): Considerando-se fatos como o ocorrido esta semana com o bandido Zeu, que saiu da prisão para uma Visita Periódica ao Lar e não voltou (e que acontece com tantos outros como os bandidos Marcelo PQD e Robson Caveirinha no início do ano), por que os Secretários de Segurança de todo o país não se unem para exigir uma revisão imediata da Lei de Execuções Penais?

BELTRAME: Prezado Roberto, a boa interpretação da lei tem o lado objetivo e o lado subjetivo e aí vai da cabeça de cada juiz. Para mim, devido às circunstâncias, este condenado não deveria ser beneficiado. Agora o advogado do principal responsável pela morte do Tim Lopes entrou com o mesmo pedido, com a mesma argumentação.

Sou a favor de uma revisão, acredito que a lei deve servir à sociedade e portanto deve mudar e evoluir de acordo com as transformações desta sociedade. Mas é a sociedade que deve se manifestar, sem passar procuração a terceiros. Debater segurança é obrigação de todos e buscar soluções viáveis também. Se um grupo quer mudar a lei, busquem os canais adequados para se manifestar. Se não há canais, lutem para que se criem. Não espere que apenas juízes, delegados, secretários apresentem suas soluções em foros privilegiados e restritos porque ao final você vai ter um país moldado pela cabeça de juiz, delegado e secretário. Essa é sempre a tendência quando se quer discutir leis. Não é um caminho fácil, mas democracia se constrói desse jeito.


Vejam no link abaixo a íntegra da entrevista do secretário ao blog do Repórter do Crime:

http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/post.asp?cod_Post=71782&a=152

No Bairro da Gávea, Rio de Janeiro

No bairro da Gávea uma rotina já é conhecida dos moradores. Milhares de pessoas se dirigem para o Jockey Club para mais um grande evento. No início da noite, falanges de flanelinhas, – que pelo tamanho deveriam ser tratados por flanelões - organizados por regiões e sub-regiões, colocam-se a postos para extorquir impunemente os cidadãos, explorando meio-fios, calçadas e, audaciosamente, os entremeios dos jardins da Praça Santos Dumont. Logo a seguir, ambulantes loteiam o espaço público na montagem de suas barraquinhas e distribuição de caixas de isopor, oferecendo aos transeuntes toda a sorte de bebidas e pequenos comestíveis. Vai chegando a hora do show e aos poucos, o trânsito ao redor da praça começa a se complicar, os flanelinhas começam a sumir com suas férias já garantidas enquanto alguns jovens se drogam no trecho inicial da rua Major Rubens Vaz.

Inicia-se a festa. A partir desse momento nenhum morador da região tem sossego. O som invade a madrugada, varandas, salas, quartos e dependências de empregadas. As esquadrias de alumínio vibram com os timbres mais graves. Acreditem, fica impossível dormir.

Mas o pior está por vir. Vencidos pelo cansaço, a vizinhança consegue cochilar, porém, às quatro da manhã, ao término da festança, o caos assume seu ponto alto. O trânsito evolui para a categoria “infernal”. Buzinas, freadas, arrancadas, carros trafegando em contra-mão, retornos proibidos, pequenas batidas e acidentes montam o quadro. Funcionários da prefeitura, soprando apitos de fazer inveja aos mestres de bateria das melhores escolas de samba do Rio, entram em cena na tentativa de organizar o fluxo. Bombeiros, policiais e ambulâncias, para vencer o engarrafamento, não poupam os decibéis de suas sirenes. A turma da limpeza urbana, em ação de pronto atendimento, recolhe ruidosamente a massa de lixo que se deposita na região. O público ainda excitado pelo show deixa o local cantando, obrigando os ambulantes a gritar ainda mais alto para vencer toda a massa sonora, na tentativa de vender uma latinha a mais. Algumas garrafas são quebradas, muitas latas arremessadas e os rapazes, em uma espécie de ritual canino, urinam nos muros, postes e árvores que se apresentam em seus caminhos. Por volta das cinco, quando acredita-se que tudo terminou, uma sinfonia de carrinhos-de-rolimã dos ambulantes em retirada, anuncia que o amanhecer está próximo.

Nesse momento, impossibilitado de enxergar um acordo racional, insone penso: onde estará dormindo John Locke? Li que ele costumava dizer que os cidadãos possuem direitos pessoais e invioláveis diante dos quais qualquer poder tem a obrigação de parar, mesmo o poder legítimo. Onde estão o direito ao silêncio e o direito ao descanso?

Logo em seguida considero: milhares estão felizes, cidadãos, flanelinhas, ambulantes, empresários, fornecedores, patrocinadores, artistas e músicos, enquanto uma incompleta centena de vizinhos se inquieta. Seria essa, na prática, a lógica utilitarista? O saldo racional positivo entre a quantidade de felicidade para o maior número de pessoas, a longo prazo. E que prazo será esse? Até as cinco da manhã ou pelos próximos meses até o pico do verão?

Recentemente recebi um e-mail de um órgão da prefeitura em resposta a uma reclamação: “Embora tenhamos encaminhado suas solicitações para os órgãos competentes, porém sem tempo de atuarem, nos deixa tranqüilo o fato do evento já ter terminado. Compreendemos e somos solidários aos momentos difíceis que você passou.” Solidarizado, estou aqui novamente.

Não defendo o fim das festas da nossa Cidade Maravilhosa e sim a eliminação dos seus impactos negativos. Acreditando no respeito mútuo e na igualdade de condições entre cidadãos, quero crer poder haver um debate “rawlsiano” - democrático e justo - entre empresários, autoridades e associação de bairros, no sentido de um diálogo cooperativo com fins de respeito, ganhos mútuos e imparcialidade.


(enviado pelo amigo Rômulo G., morador da Gávea)

Não é possível que ninguém perceba

Em 1994 eu voltei para o Brasil, após viver cinco anos no exterior. Em um dos lugares onde morei, a multa para quem jogasse lixo na rua era de duzentos dólares.

Naqueles cinco anos me acostumei com ruas limpas, com calçadas planas e bem cuidadas, com canteiros de plantas e flores vivas. Na minha primeira semana de volta ao Brasil, fui tomar um sorvete em Ipanema. Enquanto conversava com um amigo na calçada, observamos um senhor distinto e bem vestido, acompanhado da mulher e de três filhas. Ele acabou o seu sorvete, e, em um gesto automático, jogou o recipiente e o guardanapo de papel na rua.

Ipanema é um dos bairros mais ricos da segunda cidade mais rica do Brasil. Nos finais de semana de verão, à medida que o pôr-do-sol se aproxima, a praia vai virando um monturo de lixo. Latas, garrafas, pontas de cigarro, restos de comida, jornais e até fraldas usadas vão sendo largados na areia, e depois levados pelo mar.

Não é possível que ninguém perceba. Nossas crianças estão brincando no meio do lixo. Se isso acontece na praia de Ipanema, que esperança podemos ter para o resto do Brasil ?

Eu não perco a esperança. Chamo meu filho, pegamos um ancinho da nossa associação de pais e saímos catando o lixo. As pessoas nos olham com um misto de surpresa e curiosidade. Eu olho para elas com pena. Você mora no país que merece, eu penso em dizer, mas não digo nada, continuo com o meu filho até que não haja mais um saco plástico ou espeto de madeira enfiado na areia. Mas já é tarde para fazer alguma coisa pelo mar. As águas verdes estão cobertas por uma mancha enorme de lixo flutuante. As pessoas mergulham, felizes, entre os detritos.

Eu tenho vontade de segurá-las pelo braço e dizer: porque você não me dá o seu endereço, para que eu possa levar um pouco dessa sujeira para sua casa ?

Eu nunca deixo de achar curioso quando vejo, na praia, as pessoas reclamando do país, cercadas pelo lixo que acabaram de produzir.

O Crime da Porta Giratória

Editorial do Jornal do Brasil de 8/2/2007

A liberdade consentida a traficantes, sem evidências confiáveis de regeneração dos bandidos, configura mais uma prova do quanto o Brasil vem perdendo a batalha contra o crime organizado. Poucos sinais se revelam tão inquietantes quanto as brechas que permitiram a liberdade de criminosos como Marcelo Soares de Medeiros, o Marcelo PQD, e Robson Roque da Cunha, o Robson Caveirinha.

Ambos resumem os defeitos de um sistema incapaz de cumprir o que deve: a preservação das leis e da ordem e a garantia de punição. Dos episódios extrai-se uma lição relevante, a de que será inútil a conjugação de esforços da União e dos governos estaduais contra o banditismo urbano enquanto outra frente de combate permanecer esquecida - a porta giratória no sistema penitenciário. (Porta giratória de dentro para fora, convém esclarecer).

Em 1990, Caveirinha fora condenado a 46 anos de reclusão por seqüestro e homicídio. Crimes hediondos, portanto. Mas tal qualificação não impediu que um juiz auxiliar da Vara de Execuções Penais tenha assinado permissão para que o traficante deixasse o Presídio Edgar Costa, em Niterói, para visitar a família. Sumiu. Antes dele, os portões haviam sido abertos para Marcelo PQD, condenado a 20 anos de prisão, em 2000, por tráfico e associação para o tráfico.

Houve outros casos. Haverá mais. É a graça de uma legislação bem intencionada, às vezes permissiva, mas principalmente pela ausência de infra-estrutura capaz de sustentá-la. A Lei de Execuções Penais permite, por exemplo, a chamada Visita Periódica ao Lar. Para tanto, basta ter bom comportamento e pelo menos 1/3 da pena já cumprido. A este benefício se soma o direito, para crimes hediondos, à progressão da pena.


São medidas bem intencionadas porque visam reduzir a superlotação dos presídios e estimular o bom comportamento dos bandidos encarcerados. Mas os ganhos não vão muito além disso.

Um dos problemas está no fator decisivo para os benefícios. O tempo de cadeia, e não a constatação confiável da recuperação do bandido, é levado em conta na concessão de privilégios. Mais grave ainda: falta ao Brasil um sistema organizado e eficiente de controle da liberdade condicional. Na prática, ela é incondicional. As autoridades sabem, por exemplo, que os traficantes libertados retomaram o comando de suas quadrilhas. Segundo as informações da polícia, Marcelo PQD comandou a quadrilha que, no fim de semana, invadiu a Vila Juaniza, na Ilha do Governador, e a Cidade Alta, em Cordovil.

...
Ou o Brasil revê o seu aparato institucional, modernizando leis e instituições para melhor combater o crime, ou continuará preservando a impunidade e assistindo a episódios de terror. Há premissas essenciais: o cumprimento rigoroso das penas e a criação de mecanismos que assegurem o real acompanhamento dos presos em liberdade condicional...

Que País É Esse ?

Do Globo de hoje: Torturador de Tim sai da prisão e não volta

Está na Bandeira

A cada escalada do crime no país multiplicam-se as manifestações pedindo "paz". Hoje passei por uma faixa na Avenida das Américas que pedia "Paz no Rio".

Então me ocorreu que paz é o oposto de guerra. Um país que está em guerra deseja a paz.

O que deseja um país assolado pelo crime ?

Qual é o oposto de "crime" ?

Tá lá, na nossa bandeira, em primeiro lugar.

O contrário de "crime" é ordem.

A Lista da Vergonha

Esta é uma lista breve das atitudes que contribuem para a construção do nosso país.

  1. Jogar lixo na rua, na praia, no mato
  2. Estacionar sobre a calçada
  3. Furar sinal vermelho
  4. Andar em velocidade excessiva
  5. Dirigir embriagado
  6. Pagar propina (ao guarda, ao fiscal, ao burocrata)
  7. Jogar no bicho
  8. Comprar em camelô
  9. Comprar carteira de estudante
  10. Comprar carteira de motorista
  11. Urinar na rua
  12. Depredar propriedade pública

Qualquer cidadão que se identifique com um ou mais dos comportamentos listados acima fica automáticamente proibido de reclamar dos políticos, da polícia e da justiça do Brasil.

O Cocô na Calçada

É uma hora da tarde de um domingo de Setembro. O sol brilha no céu de Ipanema. Uma multidão ocupa o calçadão e a faixa do lado do mar da avenida Vieira Souto, que hoje está fechada aos carros. É gente saudável, bonita, bem vestida, moradores de um dos melhores bairros da zona sul.

Eu já dei um mergulho com meu filho, e agora o levo pela mão, pela calçada, em busca de um sorvete. Encontramos o carrinho do sorveteiro um pouco mais à frente, e compramos picolés de maracujá e tangerina. Retornamos caminhando de mãos dadas, quando, de repente, temos que parar.

No meio do calçadão, um pequeno monte de cocô.

As pessoas continuam passando, indiferentes. Nós também seguimos adiante.

Um pouco mais à frente eu paro de novo e olho para trás. É claro que alguém vai acabar pisando naquela coisa – um pequeno monte marrom, que fede e já atrai moscas. Alguém vai ter seu domingo estragado, vai sair esfregando a sola da sandália – ou quem sabe, do próprio pé – pela calçada, multiplicando a sujeira e criando novas vítimas.

Eu olho para o cocô e para as pessoas. Ninguém faz nada. Cada um continua no seu caminho.

Mas alguém vai acabar pisando. Está fedendo. Está cheio de moscas. Está no meio da calçada, em um domingo de sol, na praia de Ipanema.

Eu fico ali parado.

Eu olho para o meu filho.

“Vamos procurar uma garrafa vazia?”, eu proponho. Uma garrafa plástica, dessas de água mineral. Eu arranco a parte de cima, vai servir.

Não encontramos nenhuma garrafa, mas achamos um copo de mate vazio. Voltamos.

“Filho, vamos limpar isso antes que alguém pise.”

Ele sacode a cabecinha, concordando.

Sem soltar a mão dele, eu me abaixo e uso o copo para retirar o cocô. Saio equilibrando o copo com uma mão, segurando meu filho com a outra. Jogo o copo em uma lata de lixo. Mas dá pra ver que ficou ainda um pouco de sujeira na calçada. Se alguém pisar ali com o pé descalço – eu e meu filho estamos sempre descalços – pode até pegar uma doença.

Descemos até a praia, pegamos um punhado de areia com as mãos e jogamos em cima da sujeira.

É o que podíamos fazer. Olho em volta. Não parece que alguém tenha percebido o que fizemos, eu e meu filho. Eu espero que ele se lembre desse dia. O dia em que havia um cocô no meio da calçada, e ninguém fazia nada. Até que nós fizemos.

Mas porquê ninguém fez nada ?

Algumas possibilidades passaram pela minha cabeça.

Ninguém fez nada porque, no Brasil, limpar sujeira é coisa de serviçais. Limpar as ruas é coisa dos garis. Por isso não tem problema jogar lixo no chão.

Ninguém fez nada porque, no Brasil, os espaços públicos são terra de ninguém, para serem usados e abusados, depredados, saqueados. Por isso é difícil encontrar um telefone público que funcione. Por isso banheiros públicos são imundos. Por isso cabos elétricos e lâmpadas são roubados no atacado, deixando ruas e túneis no escuro. Por isso nossas praças são terrenos baldios cheios de imundície e de mendigos. Por isso se urina em qualquer lugar.

Ninguém fez nada, porque no Brasil espera-se que o Governo resolva tudo. O cocô estava ali porque o Governo não colocou latas de lixo suficientes, porque o serviço de limpeza urbana é ruim, porque deveria haver, mas não há, uma lei contra cocôs na calçada.