O Crime da Porta Giratória

Editorial do Jornal do Brasil de 8/2/2007

A liberdade consentida a traficantes, sem evidências confiáveis de regeneração dos bandidos, configura mais uma prova do quanto o Brasil vem perdendo a batalha contra o crime organizado. Poucos sinais se revelam tão inquietantes quanto as brechas que permitiram a liberdade de criminosos como Marcelo Soares de Medeiros, o Marcelo PQD, e Robson Roque da Cunha, o Robson Caveirinha.

Ambos resumem os defeitos de um sistema incapaz de cumprir o que deve: a preservação das leis e da ordem e a garantia de punição. Dos episódios extrai-se uma lição relevante, a de que será inútil a conjugação de esforços da União e dos governos estaduais contra o banditismo urbano enquanto outra frente de combate permanecer esquecida - a porta giratória no sistema penitenciário. (Porta giratória de dentro para fora, convém esclarecer).

Em 1990, Caveirinha fora condenado a 46 anos de reclusão por seqüestro e homicídio. Crimes hediondos, portanto. Mas tal qualificação não impediu que um juiz auxiliar da Vara de Execuções Penais tenha assinado permissão para que o traficante deixasse o Presídio Edgar Costa, em Niterói, para visitar a família. Sumiu. Antes dele, os portões haviam sido abertos para Marcelo PQD, condenado a 20 anos de prisão, em 2000, por tráfico e associação para o tráfico.

Houve outros casos. Haverá mais. É a graça de uma legislação bem intencionada, às vezes permissiva, mas principalmente pela ausência de infra-estrutura capaz de sustentá-la. A Lei de Execuções Penais permite, por exemplo, a chamada Visita Periódica ao Lar. Para tanto, basta ter bom comportamento e pelo menos 1/3 da pena já cumprido. A este benefício se soma o direito, para crimes hediondos, à progressão da pena.


São medidas bem intencionadas porque visam reduzir a superlotação dos presídios e estimular o bom comportamento dos bandidos encarcerados. Mas os ganhos não vão muito além disso.

Um dos problemas está no fator decisivo para os benefícios. O tempo de cadeia, e não a constatação confiável da recuperação do bandido, é levado em conta na concessão de privilégios. Mais grave ainda: falta ao Brasil um sistema organizado e eficiente de controle da liberdade condicional. Na prática, ela é incondicional. As autoridades sabem, por exemplo, que os traficantes libertados retomaram o comando de suas quadrilhas. Segundo as informações da polícia, Marcelo PQD comandou a quadrilha que, no fim de semana, invadiu a Vila Juaniza, na Ilha do Governador, e a Cidade Alta, em Cordovil.

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Ou o Brasil revê o seu aparato institucional, modernizando leis e instituições para melhor combater o crime, ou continuará preservando a impunidade e assistindo a episódios de terror. Há premissas essenciais: o cumprimento rigoroso das penas e a criação de mecanismos que assegurem o real acompanhamento dos presos em liberdade condicional...