Enterrem meu coração no Arpoador, em um dia de chuva


Quando chove no Arpoador parece que choverá para sempre. O sudoeste entorta árvores, derruba placas e quiosques; é um vento que sopra do mar, escuro e frio como o coração de um suicida. 

Os trovões que reverberam pelas ruas anunciam as ondas enormes que colidem umas com as outras e desabam sobre a areia da praia, como antigos monstros feridos de morte. Não há testemunhas além de uma criança assustada que observa o dilúvio por trás de uma cortina e um porteiro, recém-saído do serviço, que corre e se protege da chuva com um jornal na cabeça. Quando chove, o Arpoador parece uma terra estrangeira, onde vai chover para sempre. 

Eu sento junto à janela e observo a chuva entre as folhas da amendoeira. Lá no fundo gira o farol da Ilha Rasa sobre a mancha do mar. Já não passam carros. A água escorre por entre os pneus dos que estão estacionados. A rua, com inveja do mar tão próximo, procura uma compensação no alagamento. O planeta dorme.

Levanto do meu posto junto à janela, calço umas havaianas e saio pra rua, batendo a porta de serviço atrás de mim. No hall do elevador um vento circular sobe pela escada de incêndio cheirando a maresia e folhagem. Encontro o porteiro olhando uma televisão preto-e-branco. Ele abre a porta de vidro e estou na calçada. O nível da água já está chega nas pedras portuguesas. Atravesso a rua vazia e paro do outro lado, olho para cima, para a minha janela, onde estava até há pouco. Os pingos grossos de chuva entram e saem no foco de luz. 

O sentimento de ter um lugar para morar, o mais básico de tudo, proteção contra esta e outras tempestades que virão. Sentimento tolo, baseado em pedaços de papel e entendimentos que amanhã poderão não existir, que um dia, com certeza, não vão mais existir. Outras pessoas morarão ali, outros arranjos de móveis e sonhos, outras chuvas. Mas agora tudo isso ainda é meu. Enfio minhas havaianas nessa água salobra e desço a rua reconhecendo seus momentos; nesse apartamento aqui fui a uma festa de uma moça interessante mas casada; aquele ao lado quase comprei, péssimo negócio. Ao longo da rua muitos amores e rascunhos de amores, sorvetes de frutas exóticas e convencionais, meninos e meninas congelados no tempo e na vaidade que dormem, ignorando a chuva.

Atravesso de novo a rua e entro na lojinha do posto, que fica aberta 24 horas. 

"Eu vivo a maior parte do tempo sozinho. De vez em quando desço para ver tv com o porteiro, conversar”, diz um senhor ao amigo.

O tempo passará para todos. Alguém já disse que a coisa mais inesperada que acontece ao homem é a velhice. Ao homem resta então enfrentar a noite e as escolhas difíceis do mostruário iluminado e moderno de uma loja de conveniência que brilha na noite escura.

Lá fora voltou a chover forte.

Vale a pena prender uma mãe que mata um filho ?


Vale a pena prender uma mãe que mata um filho ? Vejamos os argumentos contra:

1. Não é solução para o problema do crime no país.

2. As prisões são fábricas de crimes. Lá dentro ela vai se tornar uma criminosa profissional.

3. O Brasil já prende demais. Temos uma das maiores populações carcerárias do planeta.

4. Ela provavelmente cometeu o crime porque não teve o apoio da sociedade na hora certa.

5. Apenas 0,00006473% dos pais matam os filhos.

6. Educação é solução, não prisão. É melhor que ela vá para uma escola.

Se esses argumentos parecem absurdos, é porque eles são mesmo.

Agora experimente substituir "mãe" por "menor de 18 anos" e "filho" por "cidadão" e veja se algo mudou.

Essa foto foi tirada hoje às 20:00, em uma grande metrópole brasileira: na porta de uma igreja, em um bairro rico, uma menina de aproximadamente 6 anos e um menino de aproximadamente 2 anos estão sentados pedindo esmolas.

Podemos escrever tratados sobre "desigualdade social", sobre o erro da redução da maioridade penal, sobre a necessidade de proteger nossas crianças e sobre as obrigações que o Estado tem de atender aos nossos direitos a saúde, emprego, renda, casa própria e TV a cabo.

Mas talvez a melhor opção seja refletir sobre essa foto, especialmente sobre o que não está nela: nem o Estado paternalista e incompetente, nem a multidão de ativistas raivosos, reinvindicadores permanentes, mas incapazes da mínima ação transformadora sobre o que está diante dos seus olhos.

Pois a julgar pela quantidade de pessoas preocupadas com a situação dos menores no Brasil, não deveríamos ter mais uma única criança mendigando nas nossas ruas.

O Que Impede o Brasil de Crescer


  
No dia 8 de Abril a FGV-RJ realizou o seminário Desafios Para o Crescimento Econômico, com a participação de Armínio Fraga. Especialistas discutiram a situação do país e o que temos pela frente. Aqui está o resumo de tudo o que você precisa saber (os erros e omissões são meus):

CRESCIMENTO
A eficiência da produção é a chave para o desenvolvimento econômico do país. 70% da diferença de renda entre os países desenvolvidos e o Brasil se devem à produtividade: a capacidade de fazer mais e melhor usando os mesmos recursos. Os 30% restantes da diferença de renda são devidos ao capital humano. Em outras palavras: educação.
O que causa a baixa eficiência da economia brasileira? Excesso de regulação e burocracia, barreiras comerciais, carga tributária elevada e intervenção excessiva do Governo, tudo gerando um ambiente pouco competitivo.
Entre os anos 1950 e 1980 o Brasil cresceu em média 8% ao ano. Depois veio o desastre. Nosso PIB per capital atual corresponde a apenas 20% do PIB per capita dos EUA. O mesmo colapso do crescimento econômico ocorreu em toda a America Latina, exceto o Chile. As causas da pobreza são as mesmas: pouco capital físico, pouco capital humano e menor eficiência. O maior fator contribuinte é a educação.



PRODUTIVIDADE
A produtividade atual do trabalhador brasileiro está pouco acima da produtividade dos anos 1980. A grande mudança das últimas décadas foi a migração de uma enorme massa de trabalhadores da agricultura direto para o setor de serviços.
Os setores com maior aumento de produtividade entre 2007 e 2010 foram o setor financeiro (8.6%), de construção (2.3%) e de comércio (1.4%). O setor financeiro emprega relativamente pouca mão de obra, e tem o maior percentual de empregados com nível educacional elevado.
O salário real (deflacionando pelo IPCA ou PIB) vem crescendo acima da produtividade há mais de 10 anos (2.6% de crescimento salarial anual versus 1.5% de crescimento de produtividade). Esse crescimento foi possibilitado pelo bônus demográfico (entrada de grande quantidade de pessoas no mercado de trabalho), pela melhoria dos termos de troca (aumento de preço das commodities) e pelo aumento do crédito em relação ao PIB. Tudo isso gerou um grande aumento do bem estar.  E isso tudo agora vai entrar em colapso, devido ao aumento zero na produtividade.
O grande motor do aumento da produtividade é a educação, e aí o desafio é qualitativo: todas as crianças estão na escola, é preciso agora melhorar a qualidade do aprendizado. Temos um ensino voltado para colocar os estudantes na universidade, local aonde 80% dos alunos nunca chegará.  Apesar da melhoria na escolaridade média (era de 2 anos em 1950 e chegou a 8 anos em 2010), o enorme descaso histórico com a educação se reflete no fato de que o Brasil tem hoje 10% de analfabetos, a mesma percentagem que os EUA tinham em 1900. Outro ponto crítico é a pré-escola (creches), que hoje atende a apenas 28% das crianças.
A educação é fator determinante do crescimento a longo prazo.


PANORAMA GERAL
O crescimento sustentável requer a oferta e a demanda andando juntas. A demanda tem crescido, mas sem a oferta correspondente, o que gera pressão sobre a inflação e o balanço de pagamentos.
Nos últimos 5 anos o Brasil cresceu menos que a média regional. Esse gap de crescimento significa uma oportunidade. Entretanto, o país se encontra cercado de problemas de ordem macroeconômica, microeconômica, institucional e política.
Problemas Macroeconômicos
Já temos até agora 5 anos de perda de transparência na área fiscal, com relação dívida/PIB elevada e déficit público elevado, atingindo 7% do PIB nominal. O crescimento do gasto público tem sido contínuo, medido como percentual do PIB. A inflação é alta, e observa-se deterioração dos termos de troca (queda do preço das commodities).


Tudo isso gera incerteza, aumenta os juros e prêmios de risco e afeta e evolução da dívida pública como % do PIB. O ajuste proposto pelo Governo é insuficiente quantitativamente, e de baixa qualidade. O orçamento é rígido, o que força o aumento da carga tributária e a redução dos investimentos. O problema orçamentário espelha a incapacidade de lidar com as demandas da sociedade. O resultado é pouco investimento, baixa produtividade e muita incerteza.
Problemas Microeconômicos
O setor elétrico está em crise: não fosse a recessão e já teríamos apagões. No setor de petróleo predomina a incerteza, com o arcabouço regulatório prejudicado por políticas enviesadas ideologicamente. O mercado de crédito e de capitais está segmentado, com foco exagerado nos bancos públicos, e baixa qualidade da alocação do capital. O Governo está perdendo bastante dinheiro, o que tem implicações fiscais. Existem claros riscos distributivos, com o BNDES dando dinheiro subsidiado para os ricos.
O sistema tributário não pode ser chamado de sistema, e vem piorando com desonerações sem nenhum critério econômico ou social.  O comércio interno pode chegar a ser mais difícil que o comércio internacional, dada a burocracia tributária e entraves burocráticos. O país continua fechado ao comércio exterior, impedindo a concorrência que resultaria em produtos melhores a preços menores.



Problemas Institucionais e Políticos
O Estado passa por uma crise colossal. Nenhum país se desenvolve sem um Estado eficiente. O modelo econômico escolhido por Lula e turbinado por Dilma - a Nova Matriz Econômica - é ultrapassado, populista e extremamente vulnerável à captura por interesses privados. É grande a fragilidade das instituições econômicas: um orçamento público rígido, um Banco Central sem independência e agencias regulatórias aparelhadas.
Vivemos uma crise de valores, com uma ênfase exagerada no consumo baseado em juros de 50% a 100% ao ano. A situação de curto prazo é complicada, e a saída dessa crise irá demorar.




Ondas


"The Right" na Austrália. Naturalmente, não sou eu na foto.

De todas as coisas que não sei fazer, nenhuma me dá tanto prazer e medo quanto surfar. Estou aprendendo. Há trinta anos.

Surfe exige enorme coragem física de alguém que, como eu, teme altura e profundidade. Coragem para contemplar o abismo de uma onda grande, e descê-lo; para permanecer sereno no escuro do fundo, enquanto o punho do universo te comprime em um turbilhão raivoso, determinado.

E mais que isso. Quem surfa desenvolve uma inteligência que só tem paralelo na dança, na escalada sem cordas e na música. São ajustes finos no equilíbrio do corpo que governam a prancha; é uma discreta pressão dos pés, uma flexão dos joelhos. Os braços abertos de um anjo. O contato da mente com a tábua que desliza acelerada sobre o líquido, adivinhando vontades e respondendo a comandos.

Surfar é esquiar uma avalanche.É fazer snowboard sobre uma montanha em desconstrução. É confiar em um raciocínio corporal instantâneo, zen, além do alcance do pensamento, primitivo, primal.

Cada um tem sua onda. A minha foi na Barra da Tijuca, em um manhã da década de 90. Em certo momento olhei sobre o ombro e vi, atrás e ao meu lado, uma paisagem de morros líquidos, cortados em rampas, vales e platôs; massas de água que iam e vinham, se sobrepondo e se contradizendo, criando a sequência de volumes de uma cordilheira momentânea azul-turquesa. Durou alguns segundos. Estou naquela onda até hoje.

Esperando as montanhas

O Negócio do Brasil é Explorar o Brasil


Olhe ao redor de você: os prédios, o posto de gasolina, os quiosques da praia, os bares, as escolas, os automóveis nas ruas, os estacionamentos, as fábricas, o avião lá em cima. Tudo tem a mão do Estado.

Para que essas coisas existissem foi preciso pagar 10%, 30%, 55%. Foi preciso conseguir uma permissão, tirar um alvará, conseguir um registro na junta, aprovar o projeto na secretaria, esperar a vistoria, contar com a boa vontade do fiscal, do secretário, do burocrata, da agência reguladora, da Receita Federal, da Receita Estadual, da Receita Municipal.

E depois, eternamente, ad infinitum, todos esses bens e empreendimentos pagarão pedágio ao Estado pelo direito de existir e produzir.

O Estado brasileiro é um parasita dedicado, sugando o esforço de cada cidadão. A alternativa que resta ao cidadão é fazer parte do Estado.

Em 1925 Calvin Coolidge, o trigésimo presidente americano, fez uma famosa declaração:
“O negócio principal do povo americano é fazer negócios. Ele está muito preocupado em produzir, comprar, vender, investir e prosperar"
O negócio principal do Brasil é explorar o povo brasileiro. Não é construir fábricas, nem montar empresas, nem plantar e colher, nem exportar ou importar, nem tratar de dentes ou servir refeições ou vender livros.
O negócio principal do Brasil é criar e cobrar impostos, taxas, contribuições sindicais; é criar entidades de classe e associações profissionais que vivem de verbas do governo; é montar peças e fazer filmes que ninguém vê, mas que captam milhões pela Lei Rouanet; é fazer orçamentos fictícios sempre estourados; é fazer licitações combinadas; é criar fundações que não precisam de licitações para serem contratadas.
 Veja no Blogo do Coronel

É evidente que a maior parte dos recursos arrecadados vai para os políticos e seus amigos, conforme já explicaram nossos dois grandes pensadores contemporâneos Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco.



O Brasil não é uma república, é uma monarquia, onde uma casta vive do trabalho de milhões de pagadores de impostos.

Por isso é tola a discussão de esquerda versus direita. O verdadeiro conflito é entre os defensores do Estado e os defensores do cidadão, do indivíduo.

Reconhecer isso é o primeiro passo para a liberdade.

As prisões reabilitam ? É melhor escola do que prisão ? Um breve texto sobre punição a criminosos



Uma breve leitura para os que querem discutir maioridade penal apenas na base do palpite ou do sentimento. 

Para que Servem as Prisões ? Elas Reabilitam ?

“Sem punições para aqueles que as violam, as leis são ineficientes. No caso da lei criminal que proíbe homicídio, agressão, estupro, roubo e outros crimes, a punição pode tomar a forma de prisão. Mas existem outras questões.

Será que a punição é a resposta correta ao crime ? Não seria melhor pensar em termos de reabilitação, reparo e compensação ? Será que prendemos criminosos mais para proteger o público do que para punir o criminoso ?

As teorias de punição se dividem em dois grupos:

- A escola Utilitária, que afirma que a punição só é certa se produz boas consequências, como proteção da sociedade e reabilitação do ofensor

- A escola Retributiva, que diz que se um erro é cometido voluntariamente, e o ofensor tem consciência disso, ele merece ser punido e sofrer.

Em meados do século XX havia visões otimistas sobre a possibilidade de usar o sistema penal como uma oportunidade de reabilitar criminosos e devolve-los à sociedade como cidadãos melhores.



Essa ideia foi incorporada no nome usado nos Estados Unidos para o sistema prisional - lá ele é chamado de sistema “correcional”.

Mas, por uma dessas dolorosas ironias que nos ensinam as melhores lições, os Estados Unidos encarceram uma percentagem maior de sua população que qualquer outro país.

Estudos sobre reincidência criminal realizados por especialistas em direito penal, criminologistas e sociólogos nos anos 70 demonstraram que as prisões não só não reabilitam, como também não desencorajam futuros criminosos.

A esses fatos empíricos juntaram-se as vozes de filósofos retornando à ideia de que a punição é, na verdade, essencialmente retributiva, e com propriedade, pois serve aos interesses da justiça que o causador de dano e sofrimento pague o custo dos seus atos com sua liberdade e sua propriedade.”

(A.C. Grayling, Ideas That Matter)




"Uma das objeções levantadas contra a construção de mais penitenciárias para manter mais criminosos presos por maiores períodos de tempo é que custa ao Estado uma grande quantia de dinheiro mantê-los atrás das grades. 

Frequentemente se faz uma comparação entre o custo de manter um criminoso preso versus o custo de manter uma pessoa na escola pelo mesmo período de tempo.

Entretanto, a alternativa relevante aos custos de encarceramento incorridos pelo Estado são os custos impostos à população quando criminosos profissionais estão fora das prisões. 



No início do século XXI, por exemplo, os custos totais do crime na Grã-Bretanha foram estimados em 60 bilhões de libras por ano, enquanto os custos totais das prisões são menos de 3 bilhões. 

É claro que os funcionários do Governo estão preocupados com os 3 bilhões de custo das prisões que são de sua responsabilidade, e não com os 60 bilhões que afetarão diretamente os cidadãos.

Nos Estados Unidos estimou-se que o custo de manter um criminoso profissional atrás das grades é 10 mil dólares por ano MENOR que o custo de deixá-lo nas ruas.” 

(Thomas Sowell, Economia Básica, p. 447)





Teoria da Dependência: Uma Visão Crítica

O ATRASO DO BRASIL E DA AMÉRICA LATINA



Em 1800 a renda per capita dos Estados Unidos era equivalente à renda do Brasil, e quase o dobro da renda do México. Em 1913 a renda dos Estados Unidos já era equivalente a quatro vezes a renda mexicana e sete vezes a renda brasileira. Esse fato demonstra que a grande diferença econômica entre Brasil e os EUA não é um produto do século XX; ela é resultado dos séculos XVIII e XIX (HABER, 1997, p.1). O estudo da história econômica da América Latina consiste, principalmente, de tentativas de explicar as razões desse atraso.

O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

O interesse dos economistas pelas causas do crescimento econômico foi um subproduto da Segunda Guerra Mundial, a primeira guerra vencida pelo PIB.

Os Estados Unidos simplesmente produziram mais do que os países do Eixo, permitindo a mobilização de mais soldados e armas no campo de batalha do que era possível aos inimigos. (HABER, 1997, p.22).

Dois fatores limitavam o crescimento econômico dos países do terceiro mundo. O primeiro era a inexistência de um contexto político e social estável, mas flexível, capaz de absorver rápidas mudanças estruturais e resolver os conflitos resultantes, ao mesmo tempo em que incentiva os grupos sociais promotores do crescimento. 


Getúlio e Prestes dividem palanque eleitoral em 1954


O segundo fator inibidor eram as políticas das nações desenvolvidas para os países em desenvolvimento. Essas políticas, ainda que introduzissem alguns elementos econômicos e sociais modernos, apresentavam aspectos claramente inibidores, como a imposição de uma situação colonial ou outras limitações das liberdades políticas. O resultado foi que os países em desenvolvimento passaram a dar prioridade aos movimentos de independência política, relegando o crescimento a um segundo plano (KUZNETS, 1973, p. 254).


Independência sem desenvolvimento: Brasil teve crescimento zero entre 1800 e 1900


O SURGIMENTO DA ESCOLA DA DEPENDÊNCIA

A maioria dos estudiosos da história econômica da América Latina seguiu um caminho diferente no estudo do desenvolvimento, embarcando em um projeto de estudos e pesquisas baseado em teorias Neo-Marxistas, que não só abandonava as premissas teóricas da escola econômica de crescimento como também evitava o uso sistemático de dados quantitativos para testar hipóteses explícitas (HARBER, 1997, p.3). 

Esse movimento começou na década de 40 e ganhou força nos anos 60, e envolvia a rejeição de dois conceitos fundamentais para a economia de desenvolvimento. O primeiro era que as leis econômicas que governavam as economias desenvolvidas tinham validade também nas economias dos países em desenvolvimento. O segundo era que as relações econômicas entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos sempre geravam benefício mútuo (HIRSCHMAN, 1981). 





Segundo a tese formulada de forma independente por Raúl Prebisch e Hans Singer em 1949, existiria uma tendência de degradação dos termos de troca para os países que exportam commodities e importam produtos manufaturados (HIRSCHMAN, 1981, p.15). Essa tendência seria uma consequência do poder dos sindicatos nos países desenvolvidos e do desemprego nos países periféricos. A tese afirmava que, sem um estado fortemente intervencionista nos países periféricos, seria inevitável o favorecimento dos países desenvolvidos

Uma vez que se observou que a interação entre países ricos e pobres poderia, em algumas circunstâncias, ter a natureza de um jogo de soma zero uma coisa estranha aconteceu (...) rapidamente se tornou atraente dos pontos de vista político e intelectual afirmar que essa era a essência do relacionamento, e que ela tinha a força de uma lei férrea, e se aplicava a todas as fases do contato entre o centro e a periferia. (HIRSCHMAN, 1981, p.18).



Essa visão do desenvolvimento econômico logo resultou no surgimento de várias obras de história econômica latino americana escritas sob o ponto de vista estruturalista, como essa escola passou a ser chamada. Entre elas destacam-se os estudos de Celso Furtado sobre o Brasil e de Aldo Ferrer sobre a Argentina. As origens dessa escola na crítica da economia neoclássica significaram a rejeição aos métodos analíticos e quantitativos usado pelos estudiosos do desenvolvimento econômico (HARBER, 1997, p.8). As ideias estruturalistas sobre as economias latino-americanas não eram vistas como hipóteses a serem testadas, mas como verdades necessárias. 

Os estudiosos das economias da América Latina passaram a acreditar, como artigo de fé, que o subdesenvolvimento da região era resultado do próprio capitalismo. A maior parte dos estudiosos dessa escola, que passou a ser conhecida como a Teoria da Dependência, abandonou as análises sistemáticas, baseadas em teoria, como modelo de pesquisa sobre o passado econômico da América Latina (HARBER, 1997, p.9).



DEPENDÊNCIA E MARXISMO

As ideias da Teoria da Dependência são parte da tradição Marxista do pensamento latino americano. 

Mais do que qualquer outra coisa, a perspectiva da dependência reafirma ideias Marxistas sobre o desenvolvimento latino americano que tem uma longa história na região, que permanecem influentes em vários setores, e que provavelmente permanecerão influentes, não importa o que aconteça com a "escola" da dependência (Packenham, 1998, p.7).

A Teoria da Dependência combina as ideias Marxistas de análise de classe com uma crítica estruturalista da teoria internacional do comércio, embora dependência não fosse nem estruturalismo nem Marxismo (HARBER, 1997, p.9). Seu argumento central era a deterioração dos termos de troca ao longo do tempo: o declínio do preço dos produtos primários exportados pela região em relação ao preço das importações vindas dos países industrializados do Atlântico Norte.


Uma segunda fonte de ideias e inspiração para os formuladores da Teoria da Dependência foram os escritos de Lênin sobre o imperialismo (PACKENHAM, 1998, p.8). Segundo Cardoso (1972) "Lênin formulou com simplicidade o que viria a ser o núcleo das análises de dependência: as formas de articulação entre as duas partes de um modo de produção, e a subordinação de um modo de produção a outro" (CARDOSO, 1972, p.4). Lênin antecipou a ideia de uma "anti-nação dento da nação" defendida por Cardoso e todos os outros escritores da dependência. 
Esse conceito é crucial à perspectiva da dependência; ele afirma que a solução específica para os problemas interligados de exploração de classe e imperialismo nacional é a derrubada do capitalismo e a instalação do socialismo (PACKENHAM, 1998, p.8).
O arcabouço teórico da dependência passou a ser considerado o modelo mais adequado ao estudo da política, sociedade e economia da América Latina. A Teoria da Dependência se tornou - e continua a ser - o tema dominante dos livros-texto mais usados sobre história latino-americana (EAKIN, 1988). 


A teoria da dependência ainda é o tema dominante nas universidades brasileiras

OS PROBLEMAS COM A TEORIA DA DEPENDÊNCIA

A formulação teórica da dependência deixou sem resposta importantes questões, por exemplo, ao insistir que a única saída para os países periféricos é o socialismo (PACKENHAM, 1998, p.78). 


(...) Cardoso insiste que a única alternativa desejável ou aceitável é o socialismo. Ele nada diz sobre a natureza do socialismo, de forma abstrata ou concreta. Abstratamente ele diz apenas que ele é mais "justo" e "igualitário" que o capitalismo (...) (PACKENHAM, 1998, p.78).


Haber (1997) identifica três problemas graves com o modelo de dependência. O primeiro foi o uso de argumentos econômicos improvisados. Um exemplo é a visão dependendista de que o investimento externo direto (foreign direct investment, FDI) causa subdesenvolvimento, pois “descapitaliza” a América Latina, já que o valor dos lucros repatriados excede o valor do investimento original. Esse ponto de vista ignora a demanda criada pelo investimento estrangeiro por insumos domésticos, e o papel dessa demanda na criação de novas indústrias” (...) (HARBER, 1997, p.11).
O segundo problema com a teoria da dependência – e o aspecto que teve o impacto mais negativo e duradouro no campo da história econômica latino americana - foi a rejeição do conceito de que ideias devem ser submetidas à avaliação científica. (HARBER, 1997, p.11). Ao invés de elaborar hipóteses cuidadosamente construídas, e testá-las usando dados coletados sistematicamente, os dependendistas frequentemente faziam afirmações gerais que não eram confirmadas pelas evidências. 

Packenham (1998) observa sobre Fernando Henrique Cardoso (1969):
Existem dezenas dessas generalizações transnacionais em Dependência e Desenvolvimento. A maioria delas são, como os exemplos dados, afirmativas simples e descontextualizadas. A maior parte delas, quando aparece no livro, não tem mais solidez ou especificidade do que quando citadas aqui. Elas não são, quase nunca, documentadas ou mesmo exemplificadas. (PACKENHAM, 1998, p.60).
A escola de pesquisa que se desenvolveu a partir daí não deu importância à coleta cuidadosa de dados ou à formulação clara de hipóteses testáveis. Os dependentistas, por razões políticas e ideológicas, frequentemente tinham como objetivo provar que a teoria era correta.  “Desta forma, a tradição da dependência inaugurou o uso de regras de evidência e argumentação sem o necessário rigor, que permitiram a formulação de hipóteses de forma implícita e incompleta, o uso de argumentação tautológica e a apresentação seletiva de dados”. (HARBER, 1997, p.11). 




O terceiro e mais grave problema da teoria da dependência é que as suas afirmativas centrais eram, em sua maioria, inconsistentes com os fatos (HARBER, 1997, p.12). Isso foi comprovado à medida que os estudiosos transformavam as ideias da dependência em hipóteses falsificáveis e as testavam usando os dados históricos das economias da região. Por exemplo, um exame dos dados de comercio exterior da região no século XIX concluiu que houve, na verdade, uma melhoria nos termos de troca, ao contrário do que dizia a afirmação central da teoria da dependência: a de que a deterioração dos termos de troca era a principal responsável pelo subdesenvolvimento da região (HARBER, 1997, p.12). O peso das evidências leva à conclusão de que nunca houve deterioração a longo prazo dos termos de troca na América Latina, mas apenas movimentos cíclicos, sem nenhuma tendência clara de longo prazo (LEFF, 1982). 


O outro dogma da teoria da dependência era a existência de uma burguesia compradora, que controlava um estado fraco que não queria e não podia agir em nome no interesse nacional (HARBER, 1997, p.12). Entretanto, estudiosos da história industrial da região encontraram burguesias nacionais com poder político considerável e espírito desenvolvimentista já no século XIX. Essas elites industriais nacionais convenceram seus governos a estabelecer altas barreiras tarifárias contra fabricantes estrangeiros e a implantar programas de subsídio para apoiar as indústrias nascentes da América Latina. Tudo ao contrário do que afirmava a teoria da dependência.

CONCLUSÃO

A hegemonia teórica do modelo de dependência deve ser entendida considerando-se o contexto político dos anos 1960 e 1970. A Teoria da Dependência era um mero reflexo de um questionamento político e filosófico maior do poder político e econômico dos EUA. (HARBER, 1997, p.10).



Ao constatar as inconsistências cada vez mais óbvias entre a teoria e a realidade, os dependentistas reagiram de duas formas. A primeira foi criar uma versão mais complicada da teoria, chamada de desenvolvimento dependente associado, que afirmava que o desenvolvimento poderia ocorrer em um contexto de dependência, admitindo implicitamente que a Teoria da Dependência não conseguia explicar o subdesenvolvimento latino americano (HARBER, 1997, p.13). 


A segunda reação foi uma tentativa de reforma da teoria, através de sua aplicação a situações históricas concretas. A grande distância entre os dogmas da Teoria da Dependência e a história real da América Latina impossibilitou os revisionistas de estudarem crescimento econômico; ao invés disso eles focaram seus estudos em questões sociológicas e políticas. 

Embora esse trabalho tenha aspectos importantes e válidos, ele tem pouco a dizer sobre as origens do subdesenvolvimento latino americano. (HARBER, 1997, p.14).



REFERÊNCIAS

CARDOSO, F.  Notas sobre el Estado Actual de los Estudios sobre la Dependencia. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, pp. 3-31, 1972.
CARDOSO, F.  The Consumption of Dependence Theory in the United States. Latin American Research Review, 12:3, pp. 7-24, 1977.
CARDOSO, F.; FALETTO, E.  Dependency and Development in Latin America. University of California Press, 1969.
EAKIN, M. Surveying the Past: Latin American History Textbooks and Readers. Latin American Research Review, Vol. 23, No. 3, pp. 248-257, 1988.
HABER, S. How Latin America Fell Behind: Essays on the Economic Histories of Brazil and Mexico, 1800-1914. Stanford University Press, 1997.
HIRSCHMAN, A. Essays in Trespassing Economics to Politics and Beyond. Cambridge, 1981.
KLÁREN, P. Lost promise: explaining Latin American underdevelopment. Westview Press, 1986.
KUZNETS, S. Modern Economic Growth: Findings and Reflections. The American Economic Review, Vol. 63, n.3, pp. 247-258, 1973.
LEFF, N. Reassessing the Obstacles to Economic Development. Underdevelopment and Development in Brazil, Vol. 2. London, 1982.
MADDISON, A. The World Economy: A Millennial Perspective. OECD Publishing, 2001.
PACKENHAM, R. The Dependency Movement: Scholarship and Politics in Development Studies. Harvard University Press, 1998.



Esse artigo é uma versão condensada de um trabalho apresentado à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV-RJ em janeiro de 2015. O artigo original está disponível mediante solicitação.

Algumas coisas pagas com "financiamento público" no Brasil

Trio elétrico, peça de teatro, filme sobre a vida de político populista, show de reveillon, show de inauguração de hospital, caviar para os jatinhos da FAB, flores para decorar os gabinetes, banhos de prata em utensílios da Vice-Presidência, limpeza de piscinas oficiais, alimentação dos palácios dos governadores, alimentação dos palácios dos prefeitos, alimentação dos palácios do presidente e vice-presidente, iPhones para a Câmara dos Deputados, sala vip no aeroporto de Brasília, poltronas giratórias para a Presidência, motorista e segurança vitalícios para ex-governadores da Bahia.


Maioridade Penal e Responsabilidade



Vamos combinar: a discussão sobre maioridade penal é uma discussão sobre responsabilidade. E a cultura brasileira não consegue lidar com isso.

Matou mas é menor de idade: não sabe o que faz; não é responsável e não pode ser preso. 

Roubou, mas é político: fez isso em nome de uma causa nobre. 

Pagou propina pro guarda, mas e daí: todo mundo faz !

Recebeu propina do fornecedor para fraudar a licitação: vai colocar o doutor na cadeia por causa disso ? É assim desde o tempo do Cabral !

Hoje o médico não veio: também, com aquele salário de fome, não é culpa dele !

Ninguém tem culpa de nada. Somos todos vítimas do sistema, da sociedade, das elites.

Somos, todos, vítimas de nós mesmos.

Os Mandamentos Paradoxais