Jabor 2/2

Cariocas, somos considerados criativos e manemolentes, quando hoje estamos mal informados e sem inspiração. Somos malandros com o terno esfarrapado, a navalha sem aço e o chapéu panamá rasgado. O carioca tem uma "poética" irresponsabilidade política. Carioca gosta de falar de política mas não de agir politicamente; tudo se afoga no chope ou na praia e chegamos, no máximo, a movimentos abstratos, pedindo paz, abraçando a Lagoa, cantando, chorando.

O carioca é ideológico, mas deixa a política para os canalhas. E nossa única saída para a tragédia que vivemos seria uma virada pragmática, uma mudança, uma diferença de métodos e de ética. O Rio está organizado para "não" funcionar.

Tornou-se impossível governar sem uma macro-mudança administrativa. Precisamos de cinturões industriais na periferias, precisamos criar algum objetivo econômico para a região, seja a criação de uma "hong kong" carioca, uma base financeira e cultural. A idéia de que há uma "solução" para o Rio é uma falácia. Precisamos de atalhos, de imaginação. Não dá para retornar a uma "normalidade" ideal, apenas por uma corriqueira substituição de poder. O Rio tem de planejar seu futuro em cima de um luto, da aceitação de uma grave encrenca em estado adiantado.

Com a aproximação das eleições para a Prefeitura, dois cenários se apresentam na paisagem política: o atraso e a possibilidade de uma modernização. Marcelo Crivella é o uso da política como instrumento de outro poder. A prefeitura não como um instrumento para o bem da cidade. A cidade não como fim, mas como meio. Seus eleitores já foram escolhidos e apontados em sua primeira declaração contra Fernando Gabeira: "Ele é a favor de homem com homem, aborto e maconha". É nítido que ele vai usar a superstição, o moralismo tacanho, a ignorância e a obediência religiosa para se eleger, depois de ter sabiamente desviado Wagner Montes do caminho, ele o mais forte candidato no mundo da ignorância pública.

Para esta vertente político-religiosa, quanto mais paralisada a máquina da cidade, melhor. Quanto mais indefesos forem os aparelhos do estado, melhor. Depois do populismo chaguista no estado, depois da honestidade incompetente de Saturnino Braga, depois do brizolismo, da piração de Cesar Maia, involuímos para o populismo da fé.

Por outro lado, a possibilidade de eleição de Fernando Gabeira pode ser uma oportuna retomada de um pragmatismo que não se vê desde o boom do Estado da Guanabara. Não falo por salvacionismo, nem Gabeira seria um bonaparte. Falo porque ele pode criar uma nova vertente política, cortando caminhos pela imaginação, pela criatividade e pelo nível intelectual e contemporâneo que ele representa. Mudança de rumos, mudança: quase um Obama carioca.

Quem pode atrapalhar Gabeira? Homens e mulheres de bem, como Chico Alencar, Jandira, Eduardo Paes, que pensam ainda em termos legítimos (sem dúvida) mas também sem possibilidade alguma de vitória.

Eles teriam de entender e se coligar com o único que tem uma chance de vencer o populismo psicótico (sou um romântico). Entender que o Rio não é uma cidade a mais à espera de uma eleição. Somos uma calamidade urgente que tem de ser assumida, como o desmatamento da Amazônia ou a seca no Nordeste.