As Armas da Primavera - Artigo do New York Times

Porte de armas de fogo é um problema grave nos EUA (embora as taxas médias de homicído lá sejam 5 vezes menor que no Brasil).

O artigo abaixo, do New York Times, é um exemplo da honestidade e objetividade com que os americanos discutem seus problemas.

As Armas da Primavera
Timothy Egan
The New York Times, 10 de Abril de 2009

Tradução de Roberto Motta, rmotta2@terra.com.br
(original em inglês: http://egan.blogs.nytimes.com/2009/04/08/the-guns-of-spring/)

Bam, bam, bam. Três mortos em Pittsburgh, policiais, todos eles, assassinados por um homem com um AK-47 que achou que o Presidente Obama iria tomar suas armas.


Bam, bam, bam, bam. Quatros mortos em Oakland, também policiais, suas vidas terminadas por um bandido condenado com um fuzil de assalto.

Bam, bam, bam, bam, bam. Cincos mortos no Estado de Washington, crianças moídas com uma arma de fogo por seu próprio papai, um covarde espancador de mulheres.

Bam, bam, bam, bam, bam, bam, bam, bam, bam, bam, bam, bam, bam. Trezes mortos em Binghamton, N.Y., imigrantes e seus professores massacrados por um louco com uma Glock e uma Beretta. Ele enviou um bilhete confuso, em inglês quebrado, exceto pelo final: “E tenha um bom dia.”

A vida americana na primavera de 2009 está cheia de esperança, dificuldades, e então isto: o câncer no centro de nossa democracia.

Em um mês de violência horrível até por nossos próprios padrões, 57 pessoas perderam suas vidas em oito massacres com armas de fogo. Os matadouros incluem uma casa de saúde, um centro para novos imigrantes, um quarto de criança. Antes foram uma igreja, uma faculdade, uma creche.

Ouvimos as notícias desses rascunhos de carnificina entre as novidades do mercado financeiro e os resultados do basquetebol — e damos de ombros. Somos o sapo na panela cuja água esquenta devagar até ferver, aceitando isso tudo um pouco de cada vez até que não conseguimos mais sentir coisa alguma. Nós damos de ombros porque isso é o combinado, certo? Esse é o pacto que fizemos, o preço da emenda constitucional número dois, logo depois da liberdade de expressão.

Nasci no oeste dos EUA e como tal sou sensível ao argumento de que, quando políticos se movimentam para proibir armas de fogo depois de um massacre público, eles freqüentemente atingem apenas os que portam armas legais, em obediência à lei. Armas de fogo no Oeste dos EUA são uma herança, “uma parte sagrada de Montana e algo que nós sempre lutaremos para proteger,” como os Senadores Jon Tester e Max Baucus, ambos Democratas, escreveram em uma carta recente para o Departamento de Justiça.


Mas, como alguém que perdeu um sobrinho para violência das armas, só consigo aceitar estes argumentos até certo ponto. Eles não são abstrações, um lado contra o outro. Não posso evitar de ver os rostos, pais que não têm mais uma criança para segurar, corações partidos, vidas destruídas quando escuto bam, bam, bam.

Uma mãe e sua menininha, fuziladas junto com oito pessoas em Samson, Alabama, mês passado, foram enterradas uma nos braços da outra — a natureza morta daquela segunda emenda.

No dia seguinte a uma destas atrocidades, nada é mais aterrorizante do que ver um defensor das armas correndo diante das câmeras para proteger o direito de um lunático de carregar armas e massacrar.


Se fosse manteiga de amendoim ou pistache matando pessoas às dúzias toda semana, já teríamos tomado providências. Basta olhar os recalls recentes. Mas Glocks e AKs — não podem tocar nelas. Então nos afogamos em armas de fogo: 280 milhões delas.

É isso aí, dizem os donos de armas de fogo, e se nossa taxa de homicídio é três vezes maior que a do Reino Unido e do Canadá, cinco vezes maior que a da Alemanha, esse é o trato. O preço. Como consolação, eu acho, existe o fato de que a taxa de homicídio tem estado estável por algum tempo, abaixo do pico dos anos 1980. Ainda assim, quase 17 mil americanos são assassinados todo ano — mais ou menos 70 por cento por armas de fogo — e 594.276 perderam suas vidas entre 1976 e 2005.

Os últimos capítulos envolvem cartéis mexicanos, que conseguem seu arsenal comprando de lojistas americanos, e os massacres desta primavera por atiradores que parecem ter adquirido suas armas legalmente. Fuzis de assalto tiveram papel de destaque nos assassinatos de sete policiais.

O atirador de Pittsburgh comprou seu AK-47 de uma firma on-line, que realizou a venda através de um negociante de armas de fogo licenciado, conforme exigido. Ele tinha, aparentemente, permissão legal para possuir estas armas de fogo, apesar de ter sido expulso dos fuzileiros navais por agredir seu sargento, e de ter uma ordem judicial para manter distância de sua ex-namorada.

Tudo o que um cidadão pode fazer é pedir um pouco de bom senso em torno da Segunda Emenda. A proibição de venda de fuzis de guerra, que tornava ilegais 19 armas de estilo militar que nenhum caçador decente usaria, devia ser restabelecida. O presidente Bush e o Congresso a deixaram expirar em 2004, embora ela fosse uma dádiva de Deus para os policiais, e fosse apoiada pela maioria dos donos de arma de fogo.

Para os senadores que apóiam fuzis de guerra enquanto falam da “parte sagrada de ser de Montana,” vocês não querem este tipo de herança. Humilha vocês permitir acesso fácil a armas que matam inocentes, e causa um desserviço para a história.

Herança? As cidades do velho oeste como Dodge City tinham um rígido controle de armas de fogo, obrigando as pessoas a deixar suas armas na entrada da cidade.

E os negociantes de arma de fogo, eles deviam ser punidos por fazer negócios com traficantes ou bandidos condenados. Leis de extorsão federais neles. Tornemos tão difícil para um agressor de mulheres ou um criminoso conseguir um AK como é conseguir uma carteira de motorista.

O resto de nós só pode lamentar e encolher os ombros, marcando tenebrosos aniversários: Virgínia Tech, Columbine, e outro, e outro, e outro.