Há trinta e cinco anos vivíamos em uma ditadura, Marina ainda era uma criança, Eduardo vivia à sombra do avô Miguel Arraes e eu vendia adesivo do Henfil pela Anistia.
Sabíamos o que significava liberdade. O voto direto, sem intermediários. Escrever, como eu fiz, uma carta a O Globo protestando contra o resultado do Inquérito do Riocentro – e tremer de medo quando a carta acabou publicada na coluna do Fernando Sabino. Minha geração se perdeu entre os dilemas da juventude dos anos 80: censura, repressão, desemprego, crime, falta de grana.
Carta a O Globo em 1981: aos 19 anos eu protestava contra o Inquérito do Riocentro |
Como muitos amigos eu fiz concurso público e acabei na Petrobras, que seria meu porto seguro com via direta para uma aposentadoria decente. Decepcionei-me. Houve um ano em que não tive nada para fazer; lia jornais e estudava inglês no expediente (ainda não existia a Internet). Vendi meu Chevette de terceira mão e fui atrás de um emprego no Banco Mundial, nos EUA. Enquanto me descobria adulto em Washington DC eu descobri também a liberdade econômica. Tudo era conveniente, fácil, barato.
Entrei em uma concessionária e saí dirigindo um Honda Civic do ano (1990), com todos os opcionais, por 11.200 dólares financiados em 5 anos a 2% ao ano. Viajar, comer em restaurantes, comprar roupas, livros e eletrônicos, mobiliar a casa – tudo ficou instantaneamente viável. Minha academia carioca custava o equivalente a 150 dólares mensais; a de Washington, muito melhor equipada, custava $40. Via os jovens americanos recém-saídos da faculdade com bons empregos, carro do ano e casa própria, todas com aqueles gramados sem cerca que a gente via em filme e nos quais não acreditava. Era verdade.
Honda Civic DX 1990: completo, zero bala por 11.200 dólares |
E você podia morar onde quisesse: em Tucson, no interior do Arizona; em Boulder, Colorado, que é uma mistura de Búzios com Penedo; em Tamales, um entreposto de filme de bangue-bangue rodeado de estâncias e varrida pelo vento do norte da Califórnia. Qualquer lugar oferecia emprego e todas as conveniências da vida moderna.
A ficha caiu: liberdade verdadeira é também econômica. Se os únicos empregos bons são os públicos então você não é livre. Se você precisa mudar pra uma grande cidade como Sumpaulo pra ter serviços decentes, você não é livre. Se o preço que você paga por um automóvel depende dos burocratas e não da competição das montadoras, esse preço será um dos mais altos do mundo. Se o remédio que meu filho toma depende da permissão da ANVISA, eu sou eterno refém do Estado.
No Brasil nunca houve liberdade econômica, nem das ditaduras nem nos períodos democráticos. Quase a metade do que ganhamos é confiscado para financiar o estilo de vida da Nomenklatura brasileira, com suas cascatas de camarão, carros oficiais e aposentadorias douradas. Trabalhamos para alimentar o Estado e dependemos de suas benesses para sobreviver.
Tem preço sim: é a dependência eterna do Estado |
Nunca tivemos nada parecido com um Google, uma Microsoft, um Warren Buffett. Nunca ganhamos um prêmio Nobel.
O que tivemos foram as manifestações, os Black Blocs, a Marina e o Eduardo. Os manifestantes pediram passagem de graça, pediram ônibus do governo. Para dependermos ainda mais do Estado. Para pagarmos ainda mais impostos. Para nos afundarmos ainda mais na Revolução dos Bichos: aquela onde todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que os outros.
E a Marina e o Eduardo, que são agora a esperança do Brasil ? Vamos dar uma olhada em um trecho do manifesto do PSB, o partido deles:
Princípio VII – O objetivo do Partido, no terreno econômico é a transformação da estrutura da sociedade, incluída a gradual e progressiva socialização dos meios de produção, que procurará realizar na medida em que as condições do País a exigirem.
Tradução: a Marina e o Eduardo acham que tudo deve ser do Estado.
Deixa o gigante dormindo mesmo.