São Nove Horas e Acabo de Ver um Assalto


Saio para passear com minha filha nos ombros. São nove horas de uma noite de verão e a calçada ainda está cheia de cariocas e turistas. Compramos um sorvete, saímos por aí. Sem aviso, em nossa direção vem um sujeito com uma camisa de futebol e uma expressão de crueldade no rosto. Ele mal passa por nós e escuto do meu lado: “arrancou minha corrente”. A moça, com jeito de turista, mostra para a amiga as marcas dos dedos do ladrão impressas em vermelho no seu pescoço.

Isso aconteceu em Copacabana, no dia 5 de Janeiro de 2014.

Os gritos e a correria alertam para o perigo ao lado. Já não há tempo de correr com as crianças para segurança. Às mães - moças e senhoras que aproveitam o dia de sol na praia com seus filhos - não resta alternativa além de sacar os paus das barracas e assumir posição de combate para defender suas famílias.

Eles logo chegam: adolescentes em sua maioria, gritos espalhando terror, atacando banhistas e levando bolsas e carteiras. As mães se defendem como podem.

O verão medieval

Ao longo do dia muitas delas ainda lutariam por suas vidas no caminho de casa. Uma mãe foi seguida por uma dupla de garotos, e ouviu claramente um sugerindo ao outro o ataque: “vai nessa, ela está com um bebê”.

Isso aconteceu em Ipanema, no dia 15 de Novembro de 2013.

Estou na areia da praia, perto da água, com minha namorada. O comportamento de um homem ao lado me chama a atenção. Sentado na areia, de sunga, ele olha repetidamente para os lados e se aproxima da bolsa que um casal deixou em cima de uma toalha.

Nossos olhares se cruzam.

Ele é muito forte.

“Fica fora dessa”, é o aviso. “Eles são turistas. Fica fora ou sobra pra você”.

Engulo em seco. Estou sempre por aqui. Ele vai marcar minha cara. Procuro um policial com os olhos, disfarçando, não encontro. Nesse meio tempo ele avança sobre a bolsa, abre a carteira, leva dinheiro e documentos.

O casal retorna, se desespera. Eu sinto um nó no estômago que ainda não se desfez.

Isso aconteceu em Setembro de 1983.

O menino chegou no Rio de Janeiro há pouco mais de um mês e ainda está deslumbrado com a cidade. Agora caminha pela calçada no Flamengo, onde seus pais visitam amigos. Leva na mão uma nota de 5 cruzeiros, vai comprar uma revista em quadrinhos. Para na frente da banca e olha as revistas. A nota some da sua mão. Ele se vira a tempo de ver o moleque que a arrancou atravessando a rua, rindo. O menino volta sem a revista e sem coragem de contar o que aconteceu. Quarenta anos depois ele ainda tem a mania de levar o dinheiro embolado dentro da mão, protegido.


O menino era eu.

Isso aconteceu em Março de 1973.

Eu podia estar roubando. E estou
“Olha aí, é assalto”. As palavras do motorista do táxi me alertam e olho para fora, para a tarde iluminada de primavera em Copacabana. São 15:00. Aproveitando o sinal vermelho da Princesa Isabel um homem desceu da garupa de uma moto à nossa frente e abriu a porta do táxi parado ao lado do meu. O homem tem uma arma na mão. Vejo que ele espanca uma senhora e arranca uma sacola das mãos dela; depois retorna calmamente, sobe na moto, vai embora. O sinal abre; quando meu táxi passa ao lado do outro eu vejo a mulher chorando.

Isso aconteceu em Abril de 2012.

Homem de camisa azul dizendo ter uma pistola escondida, levando todo o meu dinheiro. Botafogo, 1998.

Garoto no canto da janela do carro gritando “vou estourar sua cabeça, seu f***, passa a carteira”. Avenida Atlantica, 1996.

Dois moleques em frente à subida do Cantagalo rendendo motoristas no sinal. 1999.

Invasão do prédio vizinho ao meu, assalto a um apartamento, reféns. Outubro de 2009.
E nesse final de semana de Janeiro de 2014 mais um tiroteio no morro do Pavão-Pavãozinho, o terceiro ou quarto esse mês, com barulho de tiros tão forte que corremos com as crianças para o corredor (estamos a quase um quilômetro do morro). Segundo o jornal policiais da UPP estavam em patrulha quando se depararam com criminosos armados que atiraram. Os policiais revidaram. Os bandidos conseguiram fugir e ninguém se feriu.

O único prejuízo foi o estilhaçamento do delírio coletivo no qual, por alguns anos, se misturaram aumentos milionários nos preços de imóveis, uma polícia dividida e uma justiça criminal alienada, impostos de primeiro mundo, políticos de terceiro e a ilusão de que é possível tratar criminosos violentos e onipresentes com incompetência, leniência e eufemismos.