Terrorismo: A Utopia Intoxicada de Violência


Quem conhece a Alemanha e a Itália de hoje não consegue enxergar claramente o passado que está na base de tudo. Um passado de sofrimento, destruição e morte. Diz-se que a Europa está pavimentada de cadáveres, tantas foram as guerras, conflitos e revoluções. A Alemanha de hoje é um país lindo, organizado, rico e progressista, com práticas políticas e humanistas exemplares. Nem sempre foi assim. Estudar sua história recente traz importantes lições. 

Na década de 70 o quadro de tranquilidade reinante na Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial chegou subitamente ao fim. O problema não se originou na esquerda tradicional e nem no fascismo: a tranquilidade européia foi sacudida pelo terrorismo.

Na Espanha o ETA - Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade) iniciou em 1958 uma luta contra o regime de Franco e pela independência do país Basco. Sua primeira vítima tombou em 1968; em 1973 o grupo assassinou o primeiro-ministro de Franco, marechal Luis Carrero; em 1979 e 1980 foram mortas 181 pessoas, e ao longo da década seguinte a média de assassinatos foi de 34 por ano. O impacto das ações do ETA foi limitado, pois a maioria dos bascos não se identificava com os meios ou os objetivos da organização.

O Exército Republicano Irlandês (IRA), parecido com o ETA em seus métodos, pretendia unir as seis províncias da Irlanda do Norte (o Ulster, que fazia parte do Reino Unido) com a República da Irlanda. Em janeiro de 1972, no “Domingo Sangrento” (Bloody Sunday), soldados paraquedistas britânicos mataram 13 civis em Derry. No mesmo ano 146 policiais e soldados e 321 civis foram mortos na Irlanda do Norte, e quase 5 mil foram feridos. A campanha do IRA não uniu a Irlanda e nem desestabilizou a política britânica.

Especialmente em dois países europeus os “etéreos teoremas de radicalismo” se transformaram em uma ideia fixa de agressão. Uma pequena minoria de ex-radicais do movimento estudantil, intoxicada por sua própria adaptação da retórica Marxista, se empenhou em revelar a ”verdadeira face” das democracias ocidentais - o proletariado, até então alienado, iria se levantar no momento certo e se juntar à luta.

O primeiro país foi a Alemanha, então divida em duas - a República Federal da Alemanha, capitalista, e a República Democrática da Alemanha, comunista e controlada pela União Soviética.  Na República Federal o discurso de ódio ao capitalismo se alimentava do descontentamento com a situação do pós-guerra e de um sentimento nostálgico em relação ao passado perdido do país. Em Abril de 1968 os jovens radicais Andreas Baader e Gudrun Ensslin foram presos pelo incêndio de lojas em Frankfurt. Em 1970 Baader foi libertado por um ataque liderado por Ulrike Meinhof, e os dois fundaram a Facção do Exército Vermelho (Rote Armee Fraktion). Entre 1970 e 1978 o grupo matou 28 pessoas e feriu 93 em tiroteios e atentados à bomba, fez 162 reféns e assaltou mais de 30 bancos.

Em 1972 o governo socialdemocrata de Willy Brandt aprovou o Berufsverbot, um decreto que determinava a expulsão do funcionalismo público de qualquer indivíduo que se envolvesse em atos políticos considerados prejudiciais à Constituição, para evitar que extremistas de esquerda ou direita ocupasse cargos importantes. Essa foi a reação mais repressiva adotada pelo Estado; fora disso, o terrorismo fracassou. Meinhof foi encontrada morta em sua cela em 1976, e o mesmo aconteceu com Ensslin e Baader em 1977.

O segundo país que mais sofreu com o terrorismo foi a Itália. A principal organização clandestina, as Brigadas Vermelhas, começou sequestrando e executando gerentes de fábricas e pequenos empresários - “lacaios capitalistas" - progredindo depois para os assassinatos políticos. Entre 1970 e 1981 não houve nem um ano na Itália no qual não ocorressem assassinatos, mutilações, sequestros, assaltos e atos de violência pública. Em Março de 1978 o grupo sequestrou Aldo Moro, líder do Partido Democrata Cristão e ministro das Relações Exteriores. O então Primeiro Ministro democrata cristão Giulio Andreotti, com o apoio de todos os partidos - inclusive o Partido Comunista - recusou-se a negociar com os seqüestradores. Em 10 de Maio o corpo de Aldo Moro foi encontrado na mala de um carro estacionado em Roma. Menos de duas semanas depois as Brigadas Vermelhas executaram o chefe do esquadrão anti-terrorista de Gênova, e em outubro de 1978 assassinaram um alto diretor do Ministério da Justiça, em Roma, e um promotor público.

Em 1979 o professor Antonio Nigri, da Universidade de Pádua, e outros líderes do movimento Autonomia Operaria foram detidos e acusados de tramar um levante armado contra o estado. Nigri havia tolerado ataques violentos a professores e administradores universitários, difundido temas como “ilegalidade de massa”, “guerra civil permanente" e “necessidade de organizar-se militarmente" contra o Estado, e comemorado o sequestro e assassinato de Aldo Moro como “aniquilamento do adversário”. O que Nigri afirmava, e as Brigadas Vermelhas praticavam, não diferia do “poder purificador da força" exaltado pelos fascistas. Em 1980 os alvos e métodos da esquerda terrorista e da direita terrorista na Itália eram indistinguíveis. Entre 1977 e 1982 o país esteve sitiado por atos de extrema violência perpetrados pela extrema esquerda, pela extrema direita e por organizações criminosas profissionais como a Máfia; é notável que a democracia e o domínio da lei tenham sobrevivido.

Não era do conhecimento dos Partidos Comunistas italiano e alemão que as Brigadas Vermelhas e a Facção do Exército Vermelho eram financiadas pelo serviço secreto soviético. Nesse caso o tiro saiu pela culatra; a maior conquista do terrorismo de esquerda na Europa Ocidental foi eliminar da política quaisquer ilusões revolucionárias que ainda restavam.