JB Olhar Carioca:Uma sociedade suicida

Texto da coluna Olhar Carioca do JB de hoje, por Alfredo Sirkis.

Os chefes dos atentados praticados, no início do ano, no Rio - entre os
quais o do ônibus com passageiros queimados vivos - bem como os assassinos de Tim Lopes estão solicitando o benefício de regime semi-aberto através de seus advogados. Um dos matadores do repórter já o obteve e já fugiu, pronto para matar de novo. No ano passado, dos 342 detentos em regime semi-aberto nada menos de 190 se escafederam... A Vara de Execuções Penais recusa-se a cumprir a lei 11464/07 que tornou a famigerada “progressão de pena” mais difícil exigindo para os reincidentes três quintos da sentença cumpridos e para os “primários” (ainda que assassinos) dois quintos, em lugar de um sexto. Ela interpreta que os condenados, antes da nova lei, teriam “direito adquirido” à progressão com um sexto da pena. Isso mesmo: quem ordenou a queima de ônibus ou trucidou, esquartejou e carbonizou um repórter em missão profissional tem “direito adquirido” a pleitear sua liberdade para provável fuga e novos crimes depois de três ou quatro anos de prisão.

(...) É evidente que há bons argumentos jurídicos para questionar esse “direito adquirido”. Não houve uma mudança das penas propriamente ditas instituindo novas que constitucionalmente não pudessem retroagir em relação a delitos praticados antes de sua vigência. Apenas alterou-se o critério de atribuição de regalias vinculadas à execução dessas mesmas sentenças. O judiciário tem que fazer valer esta distinção sob o risco de uma decomposição radical do tecido social atestando a falência completa do estado de direito. A conseqüência será um impulso em massa à autodefesa e à prática da justiça com as próprias mãos.

Somos uma sociedade suicida. Nenhuma civilização pode coexistir com tanto desrespeito pelas vítimas nem tamanha insegurança gerada pelo risco dos assassinos voltarem a praticar os mesmos crimes amparados por uma estrutural legal e burocrática que inverte os mais elementares valores do convívio humano.

Nossa sociedade cultua o faz-de-conta. Temos prisões de quinto mundo, a pena de morte é aplicada, de fato, sem julgamento, todo santo dia, a tortura continua sendo uma realidade corriqueira mas nos ufanamos de leis e mecanismos jurídicos tão “liberais” que fazem de qualquer facínora uma pobre vítima da sociedade cuja compensação ou (improvável) recuperação assume prioridade em relação à proteção das pessoas de bem e de suas famílias.


Parabéns ao Sirkis. Você diz o que precisa ser dito. Uma justiça que não reflete as aspirações nem garante a segurança da sociedade está falida.