Li o seu relato sobre a violência da qual você foi vitima em São Paulo, e que poderia ter acontecido em qualquer rua de qualquer cidade, a qualquer hora, tendo qualquer um de nós como vítima.
Sua estória despertou em mim reações diversas. A principal foi a de admiração pela sua coragem – coragem de se expor, de abrir mão dos carros blindados, de confessar a sua perplexidade e inconformismo com essa situação cotidiana, mas absolutamente absurda e inaceitável: ser rendido com uma arma na cabeça em plena luz do dia, no meio da cidade, por um relógio, por alguns poucos reais.
Essa é a nossa rotina. Essa é a herança que estamos deixando para nossos filhos. Estamos decepcionados, cansados, revoltados.
Vamos aos fatos, apenas eles:
1. Não existe nenhuma área de nossas cidades onde não estejamos sujeitos a sofrer um crime violento, a qualquer hora do dia.
2. A esmagadora maioria dos habitantes já foi vítima, ou teve alguém da sua família, ou conhece alguém que já foi vítima de um crime violento.
3. Na maioria absoluta dos casos, os autores dos crimes não são sequer identificados, e quando o são, raramente são presos.
4. Grande parte dos presos não é condenada, por falhas nos inquéritos e nas provas.
5. Quem é condenado geralmente o é a penas relativamente leves, quando comparadas a violência dos seus crimes. A pena máxima no Brasil é de 30 anos. A maioria cumpre apenas uma pequena fração de suas sentenças, antes de ser libertado por "bom comportamento". Na cadeia, graças à complacente Lei de Execuções Penais, os criminosos têm direito a benefícios como "visitas íntimas" e visita ao lar. De dentro da cadeia continuam controlando seus negócios e cometendo crimes, como o sequestro-extorsão, através de celulares e dos seus advogados.
6. A grande maioria dos que deixam a prisão retornam diretamente ao crime.
Os seguintes fatores contribuem para isso:
1. A postura da sociedade, que é conivente com ilegalidades de todo o tipo (suborno de policiais, embriaguez ao volante, jogo do bicho)
2. Apatia da população, que numa atitude que é, ao mesmo tempo, causa e efeito, não procura mais a polícia quando é vitima de crime
3. O descompasso entre o crescimento do crime e o preparo da polícia - em pessoal, equipamento, tecnologia e organização - para lidar com o problema
4. A baixa remuneração dos policiais e o regime de turno (trabalhar 24 horas e folgar 72 horas)
5. Uma visão política tacanha que tem vergonha de chamar crime de crime, e prefere tratar criminosos bárbaros como “coitadinhos”, incompreendidos pela sociedade.
6. Um sistema penitenciário que não consegue manter presos e isolados os elementos perigosos
7. Um sistema judiciário burocrático e lento ao extremo.
A despeito de tudo o que dizem os “especialistas” em segurança pública e direito criminal (o Brasil tem tantos especialistas no assunto, e leis tão liberais e modernas, que nosso índice de violência deveria ser zero), as soluções são óbvias:
1. Revisão da organização, treinamento e equipamento da polícia. Desmilitarização da Polícia Militar. Uso de ferramentas de inteligência. Fim do regime de turno. Aumento substancial dos salários.
2. Revisão do Código Penal com aumento da pena máxima para 100 anos. Revisão da Lei de Execuções Penais, com extinção dos benefícios e da progressão de regime para criminosos violentos, cumprimento integral das sentenças, e sentenças obrigatórias mínimas.
3. Agravamento das sentenças para funcionários públicos (incluindo policiais) que cometam crimes no cumprimento do dever.
4. Implantação de um policiamento ostensivo mais efetivo, com acompanhamento dos índices de criminalidade por área, com equipes especiais para crimes específicos, e realizado em conjunto com a comunidade de cada bairro.
Caro Luciano, não estamos de braços cruzados. Munidos apenas de nossa indignação e revolta, iniciamos o Projeto de Segurança de Ipanema (http://psipanema.blogspot.com/). Estamos saindo às ruas, filmando e fotografando os problemas, acionando as autoridades, cobrando soluções. Estamos mapeando os crimes do bairro, e em breve teremos um mapa online de tudo o que acontece na nossa região. Estamos criando batalhões de voluntários, de cidadãos insatisfeitos com a anarquia e o caos. Estamos exigindo a presença (ainda rara) das polícias civil e militar em nossas reuniões, estamos exigindo resultados, estamos mobilizando os moradores.
Ou nós fazemos isso, ou ninguém o fará por nós.
Precisamos agora, urgente, rever o Código Penal e a Lei de Execuções Penais. Sem ideologias ou preconceitos, de uma forma objetiva, dando a resposta que a realidade das ruas exige. Antes que terminemos, todos, com uma arma na cabeça.
Quando tiver um tempo, apareça para nos conhecer.
Um abraço,
Roberto Motta