Quatro Lições Que Aprendi na América

Quatro Lições Que Aprendi na América é um artigo meu que foi publicado na Revista Você S.A de Outubro de 1999, e resume minha experiência de viver nos EUA. Já reencontrei este texto várias vezes, enviado em correntes de email ou postado em sites e blogs.

Morei quatro anos e meio nos Estados Unidos. Fui para lá, em 1989, trabalhar no Banco Mundial como consultor de informática. Voltei em 1994, após chegar à conclusão de que, feliz ou infeliz, meu lugar era aqui mesmo (e após quatro invernos chegar a essa conclusão não foi difícil...). Porém, viver tanto tempo por lá mudou radicalmente minha visão do mundo. Morar fora deveria ser obrigatório para todos os brasileiros. Tenho certeza de que isso tornaria o Brasil um outro país.

As verdadeiras diferenças entre o Brasil e os EUA levam tempo para ser percebidas. Elas têm muito mais a ver com o que os americanos são, acreditam e praticam do que com o que eles têm, podem ou sabem. Abaixo, algumas das principais lições que, a meu ver, temos que aprender com nossos primos do norte.

1) Governo não resolve nada, quem resolve são as pessoas e a sociedade Essa foi a primeira lição que aprendi nos EUA. Ninguém espera que o governo resolva nada - pelo contrário, o americano detesta o governo, especialmente o federal. Exatamente o contrário do brasileiro, que acha que tudo é culpa do governo e que tudo está como está (e está sempre ruim) porque o governo não resolve. Tudo mesmo, desde a inflação à seca do Nordeste, incluindo a poluição do ar, o trânsito, a violência, a educação pública e a miséria. Para o americano, o governo que importa é o local, o da sua cidade. É onde se discute a qualidade das escolas e se elegem os chefes de polícia, por exemplo. Mas, mesmo assim, os cidadãos não hesitam em ir à luta e atacar de frente seus problemas, em vez de esperar sentados pelo governo, qualquer que ele seja.

É o que acontece com as mães e pais que controlam o trânsito em frente das escolas públicas, com os programas de neighborhood watch, nos quais a vizinhança inteira se une para combater assaltos, e com os programas de voluntários, em que pessoas de todas as classes - incluindo as altas - dedicam parte de seu tempo (e não apenas de seu dinheiro) a uma causa social. Os americanos praticamente inventaram as ONGs - chamadas de non-profits, que existem para promover todo tipo de causas e bandeiras, da defesa do consumidor à defesa da ecologia. É claro que em países como o nosso existem fatores estruturais que só podem ser mudados por ações do Estado. Na esmagadora maioria dos casos, entretanto, os problemas podem ser resolvidos ou melhorados se a sociedade e os cidadãos se mobilizarem.

2) Faça o que eu digo e faça o que eu faço. Uma das características do comportamento brasileiro que mais contribuem para o nosso atraso social é a relatividade com que julgamos o certo e o errado. Se os outros fazem, é errado. Se somos nós que fazemos, bem, aí depende. Pode ser apenas o jeitinho brasileiro. Todo mundo se escandaliza com a corrupção no governo, mas uma grande parte dos escandalizados não se recusa a, por exemplo, comprar mercadoria contrabandeada. Como é que essas pessoas acham que essa mercadoria chegou aqui? Trazida por anjos? Não seria isso uma forma indireta, mas ativa, de corrupção de funcionários do próprio governo que criticamos?

Todo mundo critica a nossa polícia. Mas, de novo, uma boa parte dos críticos não se nega a usar expedientes alternativos para escapar de uma multa na estrada. Meus favoritos são os que reclamam da violência urbana e, de vez em quando, consomem a sua porçãozinha de droga. Será tão difícil ver que estão financiando seu próprio assalto? Ultrapassar sinal vermelho já foi um expediente para ser usado a altas horas da noite em locais perigosos - agora vale para qualquer hora e lugar. O americano pára até num sinal em cruzamento de estradas vazias no meio do deserto. O Brasil tem 25 mil mortes em acidentes de trânsito por ano; em dois anos morrem tantos brasileiros quanto morreram americanos em toda a Guerra do Vietnã.

3) Se você acha que pode, você pode Essa é a lei máxima não escrita do espírito empresarial americano. Funciona assim: se você é um garoto que está lá, no seu primeiro emprego, fritando hambúrgueres, você está tentando ser o melhor fritador de hambúrgueres do mês. Do ano. Do país. Você está realmente se esforçando. Você quer bater o recorde de hambúrgueres fritos por hora da sua lanchonete. Anos depois, quando você já for um executivo poderoso, você vai ter no seu currículo um lugar de honra para o seu primeiro emprego, o de fritador de hambúrgueres.

Posso ouvir você pensando: isso não existe aqui porque no Brasil fritadores de hambúrguer nunca chegam a executivos. Certo? Errado. O hambúrguer aqui é apenas uma metáfora (embora, no caso americano, seja uma possibilidade real e concreta). A dura realidade (talvez visível apenas para quem já morou fora) é que poucos profissionais no Brasil, sejam de que nível forem, colocam paixão e empenho no seu trabalho. Isso é porque o trabalho não os leva a lugar nenhum, você vai dizer de novo. De novo errado. Conheço, na minha área de atuação, inúmeros casos de oportunidades abertas esperando candidatos com iniciativa e vontade de vencer. Um dos meus maiores desafios como gerente tem sido recrutar pessoas com garra e motivação. E, em todo caso, executar mal uma tarefa dá quase tanto trabalho quanto fazê-la bem.

Pense bem: se fazer um excelente trabalho não vai levar você a lugar nenhum, o que vai? A Tele-Sena? Os casos mais flagrantes estão nos setores de serviços e comércio. A diferença é gigantesca. Entre numa loja nos EUA e você é saudado - good morning, how are you doing? - por vendedores sorridentes, que imediatamente se colocam à sua disposição (e certamente estão pensando em bater o recorde de vendas da loja, ser promovidos a gerente, a diretor, a presidente...). Eu entro numa loja brasileira e a balconista, que está fazendo as unhas, nem olha para mim (o caso é verdadeiro).


4) Tudo o que vale a pena ser feito vale a pena ser bem-feito Essa é a máxima que melhor descreve, na minha opinião, a filosofia de vida da sociedade americana. Ela perdeu um pouco a sua força devido à sua banalização, de forma primária e superficial, pela indústria de auto-ajuda e suas receitas enlatadas de sucesso. Mas não deve ser esquecida. Essa máxima pode ser lida de várias formas. A minha interpretação preferida é de que todos nós somos capazes de atingir objetivos muito mais ambiciosos do que pensamos ser possível. Uma série de fatores e circunstâncias - a maneira como fomos criados, nossa história familiar, nossa cultura, nossos meios de informação, nossa própria energia individual - colabora para formar nossa percepção do quão longe podemos ir e do quanto podemos realizar. Uma das grandes influências nessa percepção é a nossa própria história nacional.

Pense bem: se nos últimos 100 anos o seu país conquistou a maioria dos Prêmios Nobel, venceu a maioria das guerras, dominou o planeta econômica e culturalmente, dividiu e depois fundiu o átomo e colocou um homem na Lua, você também não sentiria que pode conquistar o mundo?

Aí está a questão: os americanos acreditam em si mesmos devido à sua história, ou é a história o resultado direto dessa crença? Não importa. O que interessa é aprender o quanto a crença na capacidade de traçar o próprio destino é importante para a construção de um país e do futuro de cada um.


Roberto Motta